#55 Joana Amaral Dias - Psicologia Politica: personalidade, emocao, moral e cognicao

Published: April 10, 2019, 7 a.m.

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Joana Amaral Dias \\xe9 psic\\xf3loga, comentadora e pol\\xedtica. Convers\\xe1mos sobre Psicologia Pol\\xedtica, a prop\\xf3sito do seu livro\\xa0\\u201cO C\\xe9rebro da Pol\\xedtica - Como a personalidade, emo\\xe7\\xe3o e cogni\\xe7\\xe3o influenciam as escolhas pol\\xedticas\\u201d. Este \\xe9\\xa0um\\xa0dos temas que me t\\xeam dado mais que pensar nos \\xfaltimos tempos, sobretudo desde que gravei a s\\xe9rie de epis\\xf3dios sobre Orienta\\xe7\\xf5es Pol\\xedticas.

A Psicologia Pol\\xedtica \\xe9, ent\\xe3o, o estudo de como as diferen\\xe7as psicol\\xf3gicas entre as pessoas - como a personalidade, as emo\\xe7\\xf5es, os valores ou mesmo a cogni\\xe7\\xe3o - ajudam a explicar, por exemplo, o eterno mist\\xe9rio de duas pessoas igualmente bem intencionadas e capazes, chegarem a vis\\xf5es pol\\xedticas antag\\xf3nicas. Dito isto, vale a pena, se calhar, esclarecer que o objectivo da PP n\\xe3o \\xe9 reduzir a pol\\xedtica \\xe0 psicologia. Claro que o nosso ego\\xedsmo nos leva a alinhar com vis\\xf5es pol\\xedticas que defendam a nossa posi\\xe7\\xe3o na sociedade, e \\xe9 claro que o pr\\xf3prio meio em que nascemos influencia a nossa posi\\xe7\\xe3o. Mas o que \\xe9 incr\\xedvel, e que a Psicologia Pol\\xedtica ajuda a explicar, \\xe9 que isso n\\xe3o \\xe9 suficiente para explicar porque \\xe9 que pessoas, por exemplo, dois irm\\xe3os que nasceram no mesmo meio e receberam a mesma educa\\xe7\\xe3o chegam a vis\\xf5es pol\\xedticas diferentes.

Durante a conversa, fal\\xe1mos sobre uma s\\xe9rie de aspectos da influ\\xeancia da psicologia na pol\\xedtica. Come\\xe7\\xe1mos por uma das descobertas fundacionais desta \\xe1rea: o facto de o nosso julgamento moral e pol\\xedtico come\\xe7ar sempre por uma intui\\xe7\\xe3o, isto \\xe9, de forma inconsciente. \\xc9 dessa forma inconsciente - e muitas vezes de forma emocional - que formamos a nossa vis\\xe3o - positiva ou negativa - sobre, por exemplo, o que defende determinado partido ou pol\\xedtico. S\\xf3 depois \\xe9 que a nossa \\u2018mente racional\\u2019 entra ao servi\\xe7o e vai sobretudo ter o trabalho de justificar aquela conclus\\xe3o aprior\\xedstica, e, s\\xf3 muito raramente, rever criticamente essa conclus\\xe3o. \\xc9 muito curiosa esta descoberta e, para mim, de certa forma - l\\xe1 est\\xe1 - intuitiva. Ocorreu-me logo, por exemplo, a descri\\xe7\\xe3o que o Francisco Mendes da Silva fez, no epis\\xf3dio que grav\\xe1mos, sobre como se tinha tornado conservador muito cedo na vida, com a sistematiza\\xe7\\xe3o dessa perspectiva a ocorrer s\\xf3 mais tarde.

A comprova\\xe7\\xe3o de que o nosso julgamento moral \\xe9, primeiramente, intuitivo, deve muito ao trabalho do psic\\xf3logo moral Jonathan Haidt, cujo livro \\u2018The Righteous Mind\\u2019 (algo como \\u2018A Mente \\xcdntegra\\u2019) me foi recomendado, em boa hora, por dois ouvintes - Jo\\xe3o Cotrim de Figueiredo e Pedro Macedo Alves - a quem aproveito para agradecer.

Compreendendo, ent\\xe3o, que as nossas opini\\xf5es s\\xe3o formadas sobretudo de forma inconsciente, rapidamente percebemos que a nossa forma de pensar, o nosso software mental, tem um papel importante. Por isso, as diferen\\xe7as de personalidade s\\xe3o essenciais para explicar porque \\xe9 que pessoas diferentes t\\xeam vis\\xf5es distintas do mundo e da pol\\xedtica. E foi disto que fal\\xe1mos a seguir na conversa, usando como referencial o chamado \\u2018modelo dos cinco factores\\u2019, o modelo com maior valida\\xe7\\xe3o emp\\xedrica na Psicologia da Personalidade. A prop\\xf3sito desse modelo, recomendo ouvirem, se ainda n\\xe3o o fizeram, o epis\\xf3dio #11, com Margarida Pedroso de Lima. Estas caracter\\xedsticas de personalidade s\\xe3o facilmente observ\\xe1veis sobretudo nos pr\\xf3prios pol\\xedticos. Fal\\xe1mos, ali\\xe1s, de alguns casos portugueses que \\xe9 interessante analisar por esta lente.

Das diferen\\xe7as de personalidade entre as pessoas partimos para as diferen\\xe7as ao n\\xedvel dos valores com que cada um de n\\xf3s se identifica. A principal diferen\\xe7a \\xe9 que a personalidade tem sobretudo que ver com a nossa forma de pensar, enquanto os valores representam ju\\xedzos concretos, isto \\xe9, aquilo que acreditamos, que sentimos, estar certo ou errado, ser importante ou irrelevante. A prop\\xf3sito dos valores, socorremo-nos do dito livro de Jonathan Haidt, de que falei h\\xe1 pouco, que organiza os valores universais da Humanidade (encontrados em todo o tipo de culturas) em cinco dimens\\xf5es:

  1. O cuidado e a empatia pelo outro
  2. A justi\\xe7a, que pode implicar princ\\xedpios de igualdade ou, pelo contr\\xe1rio, de meritocracia
  3. A lealdade ao grupo
  4. A autoridade e tradi\\xe7\\xe3o
  5. A liberdade, isto \\xe9, a rejei\\xe7\\xe3o de restri\\xe7\\xf5es externas \\xe0 liberdade individual

Como \\xe9 f\\xe1cil de perceber, diferentes valores est\\xe3o associados, de uma forma at\\xe9 mais clara do que as diferen\\xe7as de personalidade, a prefer\\xeancias pol\\xedticas diferentes entre as pessoas, e por vezes contradit\\xf3rias.

Durante o resto da conversa, tivemos ainda tempo para falar sobre o grande mist\\xe9rio de qual \\xe9 a origem de todas estas diferen\\xe7as entre n\\xf3s (quanto \\xe9 culpa genes, quanto \\xe9 causado pelo meio em que crescemos ou a educa\\xe7\\xe3o que tivemos).\\xa0Fal\\xe1mos, ainda, sobre lideran\\xe7a na pol\\xedtica, e a distin\\xe7\\xe3o entre l\\xedderes que procuram \\u201cpoder sobre\\u201d e aqueles que buscam \\u201cpoder para\\u201d, que tem sido muito estudada na Psicologia Pol\\xedtica.\\xa0Mesmo a terminar, perguntei \\xe0 convidada, que sempre se assumiu de esquerda, que valores tradicionalmente da Direita \\xe9 que tinha ficado a ver de uma forma mais positiva depois deste trabalho de investiga\\xe7\\xe3o.

Resumindo, antes s\\xf3 de passarmos \\xe0 conversa, esta \\xe9 uma \\xe1rea fascinante e que me tem ajudado n\\xe3o s\\xf3 a ser muito mais compreensivo com quem pensa de forma diferente de mim, como tamb\\xe9m a tentar aprimorar a minha pr\\xf3pria filosofia pol\\xedtica de forma a corrigir os enviesamentos que a minha intui\\xe7\\xe3o inevitavelmente traz. Embora, como digo durante a conversa, seja dif\\xedcil fugirmos ao nosso \\u2018software moral\\u2019, pensar sobre estes temas tem-me tornado, julgo, um pensador mais robusto. Por exemplo: ao compreender a relev\\xe2ncia de alguns valores da direita, dou hoje mais valor, por exemplo, a preservar institui\\xe7\\xf5es que v\\xeam de tr\\xe1s (e que por algum motivo subsistem) e \\xe0 necessidade de manter uma sociedade estruturada. Da mesma forma, compreendendo a \\xa0relev\\xe2ncia de alguns valores da esquerda, reconhe\\xe7o hoje que a minha preocupa\\xe7\\xe3o inata com as chamadas liberdades negativas \\xe9, em certa medida, um enviesamento de privilegiado, e que tem de ser temperada pela necessidade de intervir para corrigir desigualdades e, noutra dimens\\xe3o, pelos limites pr\\xe1ticos \\xe0 chamada meritocracia.

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Liga\\xe7\\xf5es:

Bio: Psic\\xf3loga e exerce psicologia cl\\xednica desde 1997. Licenciou-se em Psicologia, ramo de Psicologia Cl\\xednica, pela Universidade de Coimbra, tendo igualmente conclu\\xeddo a componente te\\xf3rica do Ramo de Psicossociologia das Organiza\\xe7\\xf5es. Fez o Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento, tamb\\xe9m na Universidade de Coimbra. P\\xf3s-graduou-se em Terapia Familiar Sist\\xe9mica e em Psicodrama (\\xe9 s\\xf3cia didata da Sociedade Portuguesa de Psicodrama), foi bolseira da Funda\\xe7\\xe3o para a Ci\\xeancia e Tecnologia e doutoranda pelo Chicago Center for Family Health/ University of Chicago e pela Universidade de Coimbra. Leccionou em diferentes universidades, colaborando com o Instituto Superior de Psicologia Aplicada desde 2004, designadamente nas disciplinas de Modelos de Desenvolvimento e Processos de Inclus\\xe3o/Exclus\\xe3o Social e de Minorias \\xe9tnicas e culturais. Foi dirigente associativa, deputada \\xe0 Assembleia da Rep\\xfablica, dirigente partid\\xe1ria e mandat\\xe1ria para a juventude da candidatura presidencial de M\\xe1rio Soares. Convidada para in\\xfameros col\\xf3quios, semin\\xe1rios e confer\\xeancias, publicou dois livros sobre tem\\xe1ticas pol\\xedticas, nomeadamente Man\\xedacos de Qualidade (2010) e Portugal a Arder (2011). Colabora assiduamente em jornais, revistas e televis\\xe3o enquanto comentadora/analista pol\\xedtica, sendo que a Psicologia Pol\\xedtica, a conflu\\xeancia da sua forma\\xe7\\xe3o em Psicologia e da sua atividade pol\\xedtica, \\xe9 um dos temas mais significativos da sua pesquisa

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