Tito Rosemberg: Sou um realizador dos meus sonhos

Published: Oct. 23, 2020, 11 p.m.

b'Aos 74 anos, o surfista e fotógrafo que rodou o mundo e chegou a morar dentro de uma canoa na Amazônia conta como encara a velhice\\n \\n Tito j\\xe1 esteve em mais de 100 pa\\xedses, espalhados pelos 5 continentes. Atravessou desertos, florestas, montanhas e morou dentro de alguns ve\\xedculos, de Kombis a barcos. Ao 74 anos, ele viveu v\\xe1rias vidas em uma, tendo assumido as mais diversas profiss\\xf5es para possibilitar o estilo de vida itinerante: foi jornalista, fot\\xf3grafo, shaper, lavador de pratos e carpinteiro. Quando se instalou na Amaz\\xf4nia, morou em uma canoa e produziu reportagens para o programa Globo Ecologia, mas, mais do que ambi\\xe7\\xf5es profissionais, a vontade de Tito sempre foi desfrutar e contemplar a natureza: "Trabalho para justificar estar tendo tanto prazer em ver".\\n[VIDEO=https://www.youtube.com/embed/MaEiH9ck-W8; CREDITS=; LEGEND=; IMAGE=https://img.youtube.com/vi/MaEiH9ck-W8/sddefault.jpg]\\nRespons\\xe1vel por registros fotogr\\xe1ficos \\xfanicos do come\\xe7o da cena do surf nacional, reunidos no livro Arpoador Surf Club, Tito mant\\xe9m o esp\\xedrito aventureiro que o levou a pegar ondas ao redor do mundo, mas lamenta que o corpo n\\xe3o sustente o mesmo pique. "A gente vai ficando decr\\xe9pito, \\xe9 natural da vida", diz. Em conversa com a Trip ele fala sobre a sua trajet\\xf3ria m\\xfaltipla, trabalho, envelhecimento e o amor dentro de seu estilo de vida peculiar.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/10/5f933fe8d9efa/tito-rosemberg-tripfm-m1.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Tito Rosemberg no Arpoador, no Rio de Janeiro, em 1968]\\nTrip. Carlos Probst, que foi seu companheiro no rali Camel Trophy, certa vez disse sobre voc\\xea: "Para muita gente a vida \\xe9 um arco-\\xedris com um pote de ouro no final, e as pessoas ficam na correria para chegar nesse pote. O Tito \\xe9 o cara que fica curtindo o arco-\\xedris". Voc\\xea se v\\xea assim, como algu\\xe9m que entendeu que a jornada \\xe9 muito mais interessante do que o destino?\\xa0\\nTito Rosemberg. Isso \\xe9 meio clich\\xea, mas \\xe9 verdade. \\xc9 um clich\\xea que incorporei talvez de tanto ter lido Sidarta [livro de Hermann Hesse]\\xa0quando garoto, que \\xe9 um livro sobre a vida, sobre partir, viajar, viver o presente e diversas coisas. Sidarta foi barqueiro, foi contador, foi amante da rainha. Ele teve uma vida enorme e variada. Eu soube logo, desde garoto, que a minha vida seria diferente. Eu pegava onda no Arpoador com aquela classe m\\xe9dia, burguesa, da zona sul, mas, ao contr\\xe1rio da maioria, eu era politicamente engajado. O mesmo jipe que de manh\\xe3 levava a prancha para o Arpoador para pegar onda, \\xe0 tarde levou o corpo do Edson Lu\\xeds, aquele estudante que foi assassinado, do vel\\xf3rio na C\\xe2mara dos Deputados at\\xe9 o Cemit\\xe9rio S\\xe3o Jo\\xe3o Batista, pois o pessoal da \\xe1rea pol\\xedtica da UNE tinha me pedido para carregar o caix\\xe3o dele. Eu sempre transitei, pegava onda e fazia teatro com um grupo bem progressista da \\xe9poca. Gostava dessa vida ecl\\xe9tica, dessa troca de coisas. Quando voc\\xea pensa que eu sou surfista, eu sou ator. Quando voc\\xea pensa que eu sou ator, eu sou ativista pol\\xedtico. Quando voc\\xea pensa que eu sou ativista pol\\xedtico, eu sou um alienado de mochila viajando. Eu gosto de estar em todos os mundos, sempre fui muito antenado e isso s\\xf3 me trouxe prazer. Dalai Lama diz que o homem trabalha a vida inteira para conseguir o dinheiro para pagar pela medicina que vai curar ele quando estiver velho. Eu nunca tinha lido o Dalai Lama, mas eu j\\xe1 pensava isso. \\xc9 uma coisa existencialista. Quando eu era garoto tentava entender o Sartre, o Camus, era metido a Beatnik no Arpoador, ficava nas pedras usando um corrent\\xe3o grand\\xe3o no pesco\\xe7o. Gostava dessa vida natural, na praia, mas ao mesmo tempo meio depr\\xea, meio intelectual, e cresci nesse meio de campo. Nunca fui intelectual e tamb\\xe9m nunca fui deslumbrado. Uma das grandes tristezas que eu tenho \\xe9 de ter sido parte do movimento hippie sem ter sido hippie, porque eu n\\xe3o consigo me enquadrar em nenhum time, nenhum clube, nenhuma tribo ou nenhuma seita. Eu sou ateu, n\\xe3o tenho religi\\xe3o, mas eu tenho todas as religi\\xf5es. E n\\xe3o tenho tamb\\xe9m nenhuma profiss\\xe3o, mas me orgulho de ter tido tantas profiss\\xf5es, de um dia ter sido a pessoa de comunica\\xe7\\xf5es sociais e rela\\xe7\\xf5es internacionais da Funai, e no outro morar numa Kombi na Calif\\xf3rnia pegando onda. Para mim, tudo igual. N\\xe3o consegui nunca descobrir quem eu era e, felizmente, continuo ainda buscando.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/10/5f93401ce3e38/tito-rosemberg-tripfm-m2.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Em 1970, Tito Rosemberg posa em Serra Nevada, cordilheira da Calif\\xf3rnia, nos Estados Unidos]\\nLEIA TAMB\\xc9M: Como um grupo de amigos transformou a Prainha no maior santu\\xe1rio para o surf no RJ\\nA sua liga\\xe7\\xe3o com o mar parece ter um peso na sua hist\\xf3ria, seja como banhista, como surfista ou como fot\\xf3grafo. E hoje voc\\xea v\\xea o mar da janela da sua casa, no Rio Grande do Norte. Voc\\xea sente uma necessidade de estar perto do mar? Eu tenho essa fixa\\xe7\\xe3o no mar desde crian\\xe7a. Nasci na Urca e meu irm\\xe3o mais velho era muito doente quando garoto, minha m\\xe3e ia cuidar dele no hospital todo dia. De manh\\xe3 cedo ela me deixava com um cacho de bananas junto com os salva-vidas da praia da Urca e eu ficava naquela praia maravilhosa \\u2013 sem polui\\xe7\\xe3o naquela \\xe9poca \\u2013 at\\xe9 ela voltar do hospital \\xe0 tarde. Os salva-vidas me davam \\xe1gua e eu comia banana e ficava brincando na areia da praia com dois anos de idade. Isso \\xe9 uma coisa que influencia muito o car\\xe1ter, a personalidade, a alma de uma pessoa. Depois a minha fam\\xedlia se mudou para Copacabana, a um quarteir\\xe3o do mar, e eu vivia na praia. Com sete anos eu entrava dentro d\'\\xe1gua ajudando os salva-vidas \\u2013 porque eu ficava l\\xe1 levando papo, metido a mach\\xe3o sentado com eles no posto, que era uma barraca na praia \\u2013 e, quando tinha algu\\xe9m se afogando, eles saiam correndo e eu ia atr\\xe1s. Mais tarde na vida eu salvei muitas pessoas e \\xe9 uma coisa estranha que eu poderia dizer: que o mar j\\xe1 tentou levar diversas pessoas e eu consegui tirar, talvez eu tenha essa d\\xedvida com ele. Minha m\\xe3e me falou v\\xe1rias vezes que eu ia morrer no mar. Espero que n\\xe3o seja, porque se afogar deve ser uma morte horr\\xedvel, mas ela dizia que eu ia morrer no mar de tanto que eu me expunha \\xe0s ondas. Quando garoto eu pegava onda grande. Depois eu fiquei mais inteligente, comecei a pegar ondas menores, e me diverti muito com isso. E velejei muito, levei um barco do Rio at\\xe9 Punta del Este, sem motor. Tive o meu pr\\xf3prio veleiro, um de 27 p\\xe9s na Ba\\xeda de Guanabara, e viajava dez vezes mais longe do que era permitido pela Marinha. Tamb\\xe9m tive um barco emprestado durante tr\\xeas anos na Ba\\xeda da Ilha Grande, de 42 p\\xe9s. Velejei muito na Europa com amigos. A vela tamb\\xe9m me seduz muito.\\xa0\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/10/5f93403d7d0b8/tito-rosemberg-tripfm-m3.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Tito Rosemberg em viagem ao Deserto do Saara, na Arg\\xe9lia, em 1988]\\nLEIA TAMB\\xc9M: Para Amyr Klink, a quarentena provocar\\xe1 uma mudan\\xe7a de valores\\nQuando eu fui morar na Amaz\\xf4nia descobri que esse fasc\\xednio que eu tinha n\\xe3o era pelo mar, era pela \\xe1gua, pelos grandes corpos de \\xe1gua. Eu entrei num \\xeaxtase ao ver aquela quantidade de \\xe1gua, o Rio Amazonas gigantesco, o Rio Negro, voc\\xea v\\xea a outra margem t\\xe3o longe, quando v\\xea. Ali eu me senti muito integrado. Comprei uma canoa de seis metros, pequenininha, fiz um tetinho nela e passei quase dois anos viajando pelo Rio Negro, fazendo mat\\xe9rias para o Globo Ecologia, mas, para dizer o certo, bundando muito. O que eu mais gosto de fazer \\xe9 bundar, ficar passeando, curtir, ver as coisas. Eu sou um voyer da natureza, adoro ficar olhando, ent\\xe3o trabalho para justificar estar tendo tanto prazer em ver. E a natureza na Amaz\\xf4nia me seduziu, eu fiquei totalmente enlouquecido. Sa\\xeda viajando na canoa e quando chegava \\xe0 noite eu parava na margem, entrava no Igarap\\xe9, amarrava a canoa numa \\xe1rvore e dormia tranquilamente. Eu botava o mosquiteiro, dormia a dez cent\\xedmetros da \\xe1gua e os peixes boi vinham, chegavam bem perto, os botos. Tive a oportunidade de viver uma vida paradis\\xedaca. Mas com sofrimentos. N\\xe3o vamos dizer tamb\\xe9m que tudo \\xe9 maravilha, porque as dificuldades est\\xe3o l\\xe1. Quando cheguei na Calif\\xf3rnia em 1970 eu comprei uma Kombi e dormia nela, e eu n\\xe3o tinha dinheiro para comprar comida. Passei um inverno inteiro sem pegar onda porque eu n\\xe3o tinha for\\xe7a nem para remar. A\\xed eu consegui um emprego, consegui me alimentar melhor, voltei a pegar onda. S\\xe3o experi\\xeancias m\\xe1gicas e eu me orgulho de todas as merdas que eu fiz, os lugares horr\\xedveis que eu me meti, as coisas que eu imaginei que fossem ser maravilhosas e se tornaram a maior furada. Faz parte da vida. Mesmo que d\\xea errado serve de li\\xe7\\xe3o para alguma coisa, n\\xe9?\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/10/5f93409c308e7/tito-rosemberg-tripfm-m4.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Tito Rosemberg em visita ao Rio Futaleuf\\xfa, em meio \\xe0 cordilheira dos Andes, do Chile, em 2004]\\nEm uma entrevista para a Trip em 1987 voc\\xea declarou que estava meio decepcionado com as mulheres, meio desiludido. Naquela altura voc\\xea j\\xe1 tinha vivido dois casamentos, com duas mulheres estrangeiras, uma americana e uma irlandesa. De l\\xe1 para c\\xe1, o que voc\\xea aprendeu com rela\\xe7\\xe3o \\xe0s mulheres? As pessoas, sem um g\\xeanero espec\\xedfico, s\\xe3o muito ligadas \\xe0 imagem, \\xe0 apar\\xeancia, a como os outros as veem. Para mim \\xe9 dif\\xedcil at\\xe9 encontrar amigo, o que dir\\xe1 uma companheira. Viajei de Kombi, de moto, de barco, sempre sozinho, e n\\xe3o \\xe9 que eu n\\xe3o goste de gente. Pelo contr\\xe1rio, eu sou greg\\xe1rio, adoro contar hist\\xf3rias. \\xc9 porque as pessoas t\\xeam dificuldade em me acompanhar. A minha trajet\\xf3ria \\xe9 peculiar e eu entendo que seja dif\\xedcil. Por exemplo, eu me apaixonei por uma pessoa que queria dar a volta no mundo. A\\xed a gente come\\xe7ou a viajar, viajar, viajar, e um dia ela falou: "N\\xe3o d\\xe1 para a gente parar um pouco?". H\\xe1 um processo de amaciamento das pessoas com a idade e isso cria um distanciamento. As pessoas querem uma casa, "vamos ter um lugar", "vamos ter um quintal", "vamos ter um cachorro", sabe? Eu n\\xe3o quero bicho, eu quero viajar. Bicho d\\xe1 trabalho, \\xe9 \\xe2ncora, filho \\xe9 \\xe2ncora. Eu nunca tive filho por causa disso. Eu tenho problema com responsabilidade, de ficar respons\\xe1vel por uma crian\\xe7a, ou por um cachorro, um gato. Foi dif\\xedcil e devo dizer que demorou 69 anos para eu encontrar uma alma g\\xeamea. E encontrei uma mulher de S\\xe3o Paulo, do Tatuap\\xe9, que me completou, porque ela chegou e falou: "N\\xe3o tenho interesse nenhum em ter filho". Quando eu falei que eu adoraria morar num motorhome, ela disse que tamb\\xe9m adoraria. Uma mulher que n\\xe3o quer ter filhos, que quer casar e morar num motorhome, eu n\\xe3o deixo ir embora t\\xe3o facilmente, n\\xe9? Felizmente, depois de um processo de sedu\\xe7\\xe3o longo e pedregoso, deu certo e n\\xf3s estamos casados h\\xe1 quatro anos. E n\\xf3s nos sentimos muito, muito, muito felizes mesmo quando a gente pega o nosso motorhome \\u2013 finalmente conseguimos comprar um motorhome velhinho na Fran\\xe7a \\u2013 e vamos passar tr\\xeas meses no Marrocos, acampando nas montanhas, nas dunas, longe das cidades, longe dos campings, no meio da natureza. E a\\xed voc\\xea v\\xea que realmente d\\xe1 certo. Aos 69 anos consegui encontrar uma parceria pela qual estou verdadeiramente apaixonado.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/10/5f9340cf5509d/tito-rosemberg-tripfm-m5.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Tito Rosemberg posa no meio do Salar de Uyuni, na Bol\\xedvia, na viagem que fez em 2011]\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Marcello Serpa: de Cannes ao Hava\\xed\\nVoc\\xea est\\xe1 falando dos 69 anos como um momento importante com esse encontro e me d\\xe1 vontade de saber mais como \\xe9 que voc\\xea est\\xe1 curtindo essa fase da vida. Voc\\xea est\\xe1 com 74. Como est\\xe3o sendo as dores e as del\\xedcias dessa fase? Olha, eu sei exatamente o que representa ter 74 anos porque, ao contr\\xe1rio de outras pessoas que ficaram velhas pegando onda, eu tive limita\\xe7\\xf5es. Com 71, 72 eu tive que botar uma pr\\xf3tese no f\\xeamur. Vai limitando. Agora j\\xe1 estou precisando de uma outra pr\\xf3tese no outro f\\xeamur, da perna direita. A gente vai ficando decr\\xe9pito, \\xe9 natural da vida, tamb\\xe9m n\\xe3o posso querer ter uma vida eterna. Para fazer tudo o que eu quero fazer certamente eu deveria viver at\\xe9 os 150, mas n\\xe3o vai dar. \\xc9 maravilhosa pero curta. Eu quero morrer velho, mas o mais jovem poss\\xedvel. O meu corpo tem 74 anos mal vividos porque eu sou diab\\xe9tico, tenho hipertens\\xe3o e insufici\\xeancia renal cr\\xf4nica, e eu causei todas estas doen\\xe7as pela vida que eu tive. Uma pessoa que vive 15 anos dentro de carros e barcos, que tipo de comida pode comer? Pipoca, batata frita de pacote. Como \\xe9 que voc\\xea atravessa o Saara? Com uma caixa de salame, porque o salame aguenta calor, aguenta qualquer coisa. Eu digo que eu inventei a dieta microbi\\xf3tica, s\\xf3 micr\\xf3bio. E tudo isso que eu comi me fez um puta mal, estou pagando o pre\\xe7o pela vida que eu tive. Mas um dos meus m\\xe9dicos me falou: "Cara, n\\xe3o reclama, os meus outros pacientes est\\xe3o muito piores do que voc\\xea e ficaram a vida inteira num escrit\\xf3rio".\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Luiz Mendes pensa sobre a ideia de a velhice ser a melhor idade\\nEu me lembro que quando garoto eu olhava os adultos, meus tios, parentes, pais dos meus amigos, e todos os homens tinham amantes. Eu dizia: "Eu quero ser diferente, ter amante \\xe9 uma hipocrisia". Preferia morar sozinho, participar de qualquer tipo de loucura sexual, mas n\\xe3o ter amante, que \\xe9 muito brega. Eu nunca queria ser brega, minha adolesc\\xeancia toda foi essa: "N\\xe3o permitais, senhores dos c\\xe9us, que eu seja brega". Consegui! L\\xe1 pelo 50, 60, eu disse: "Porra, estou adulto e n\\xe3o fiquei um canastr\\xe3o". Agora o desafio \\xe9 como chegar aos 70, 80, sem ser amargo, azedo, mal humorado, depressivo, como a maioria dos velhos que est\\xe3o por a\\xed. Porque perderam a vida. Eles abdicaram dos seus sonhos e envelheceram sabendo que v\\xe3o morrer e n\\xe3o fizeram nada do que queriam. Eu me preocupei em sempre estar com a conta zerada. Se eu morrer hoje, conversando contigo, vou morrer em paz. Pelo menos eu fiz tudo o que eu tive vontade. Tenho muitos projetos, me preocupei em ser um realizador dos meus sonhos. N\\xe3o consegui realizar uma grande revista, um grande jornal, um grande livro, um grande porra nenhuma, mais vivi a minha arte e a vida. N\\xe3o consegui ser um grande artista, mas tento viver a vida de forma art\\xedstica, criativa e talvez por isso eu n\\xe3o tenha me tornado um velho chato, estressado, sempre reclamando. Um dos maiores tes\\xf5es que eu tenho hoje em dia \\xe9 quando um cara mais jovem diz: "D\\xe1 para chegar com 74 nesse pique?". Eu quero estar quite com a vida todo dia.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/10/5f9341176544d/tito-rosemberg-tripfm-m6.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Em 2019, Tito Rosemberg visitou Merzouga, uma aldeia no meio do Saara Marroquino]\\nEu recebi aqui no programa o pensador e l\\xedder ind\\xedgena Ailton Krenak\\xa0e ele comparou a pandemia que estamos vivendo com uma bronca que uma m\\xe3e d\\xe1 nos seus filhos. \\xc9 como se a Terra fosse a m\\xe3e, n\\xf3s os filhos e a pandemia fosse um alerta, um pux\\xe3o de orelha que nos faz repensar a forma que estamos vivendo no planeta. Agora muita gente tem perguntado quando \\xe9 que tudo volta ao normal, mas \\xe9 o normal que estava levando a gente pro buraco. Qual \\xe9 a sua vis\\xe3o sobre esse momento? Olha, eu n\\xe3o tenho a menor d\\xfavida de que isso \\xe9 vingan\\xe7a da natureza. J\\xe1 est\\xe1 evidenciado que, quanto maior o desmatamento, mais v\\xedrus e bact\\xe9rias e coisas que est\\xe3o absolutamente organizadas, em vida pac\\xedfica na natureza, entrar\\xe3o em contato conosco. V\\xe1rios cientistas brasileiros est\\xe3o avisando que a destrui\\xe7\\xe3o da Amaz\\xf4nia vai liberar uma quantidade enorme de v\\xedrus e bact\\xe9rias que vivem l\\xe1 e que est\\xe3o quietinhos, numa boa, e que vir\\xe3o nos perseguir no futuro. Eu fiquei muito triste que quando come\\xe7ou a quarentena surgiu esta express\\xe3o "novo normal". Cara, 74 anos e eu continuo um idiota e inocente, porque eu acreditei em novo normal, em novos paradigmas, "vai mudar tudo", "as empresas todas v\\xe3o se tocar". Nada disso, vai continuar tudo absolutamente igual! A cria\\xe7\\xe3o de gado, o desmatamento. As pessoas fazem "segunda-feira sem carne", mas devia ser o oposto, a segunda-feira com carne, e todos os outros dias sem. Porque a pecu\\xe1ria \\xe9 hoje um dos maiores criminosos do planeta. O Brasil tem mais boi do que gente, dever\\xedamos controlar isso. Eu acho que a Covid-19 era inevit\\xe1vel be outras piores vir\\xe3o. S\\xf3 n\\xe3o sei se eu ainda vou estar por aqui.'