Thelminha: Nao da para escolher entre o machismo e o racismo

Published: Aug. 21, 2020, 11 p.m.

b'A médica vencedora do Big Brother Brasil comemora os debates levantados pelo programa e fala sobre dinheiro, representatividade e luto\\n \\n Thelminha sempre gostou de sonhar alto \\u2013 e correr atr\\xe1s do que quer. Logo cedo decidiu que queria ser m\\xe9dica. Cresceu numa fam\\xedlia humilde, na zona norte de S\\xe3o Paulo, e batalhou muito para conquistar seu diploma e a especializa\\xe7\\xe3o em anestesia. Formada e trabalhando em quatro hospitais, a m\\xe9dica inventou um novo sonho no ano passado: participar da 20a edi\\xe7\\xe3o do Big Brother Brasil. E n\\xe3o s\\xf3 foi parar no reality show como saiu vitoriosa de uma edi\\xe7\\xe3o de repercuss\\xe3o hist\\xf3rica e marcada por colocar em pauta debates como o machismo e o racismo.\\nAos 35 anos, Thelma Assis \\xe9 m\\xe9dica, bailarina, sambista e, mais recentemente, apresentadora e influenciadora digital. Desde sua vit\\xf3ria no programa, que contou com o apoio de muitas celebridades, ela estampou capas de revistas, campanhas publicit\\xe1rias, se tornou embaixadora de uma marca de beleza e ganhou tamb\\xe9m um quadro no programa \\u201c\\xc9 de Casa\\u201d, da mesma TV Globo que produz o Big Brother no Brasil. Seu posicionamento, determina\\xe7\\xe3o, intelig\\xeancia emocional e, acima de tudo, sua pot\\xeancia, acompanhada 24 horas por dia por milhares de pessoas, a levou ainda mais longe do que ela poderia sonhar. Thelminha \\xe9 a convidada do Trip Fm desta semana e bate um papo com Paulo Lima sobre a import\\xe2ncia dos debates levantados pelo programa, racismo, representatividade e dinheiro.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/08/5f3ec3748b26e/thelminha-assis-medica-bbb-tripfm-mq1.jpg; CREDITS=Reprodu\\xe7\\xe3o; LEGEND=Thelma Assis, 35 anos, m\\xe9dica anestesista e vencedora do BBB 20]\\nLEIA TAMB\\xc9M: "A mulher negra n\\xe3o pode errar", diz Pathy DeJesus\\nTrip. Voc\\xea perdeu seu pai um pouco antes de entrar no Big Brother, que \\xe9 uma situa\\xe7\\xe3o de dor profunda. Depois de passar por isso voc\\xea viveu aquela loucura toda do programa, conflitos, afetos, tudo misturado. Depois voc\\xea saiu para conhecer a quarentena, encarar a pandemia sendo uma m\\xe9dica. Voc\\xea tinha tudo para estar completamente louca nesse momento. Como ficou sua cabe\\xe7a?\\nThelma Assis. Manter a estabilidade emocional diante de algumas situa\\xe7\\xf5es que a vida nos coloca realmente n\\xe3o \\xe9 uma tarefa f\\xe1cil. Eu costumo dizer que meu pai foi meu primeiro paciente. Ele lutou nove anos contra um c\\xe2ncer, um linfoma, e ele fez o diagn\\xf3stico quando eu estava no quinto ano da minha faculdade, bem no per\\xedodo da medicina em que a gente tem que ter dedica\\xe7\\xe3o exclusiva. Como muitas pessoas sabem, eu era bolsista e tinha que zelar muito por essa bolsa, n\\xe3o podia faltar, n\\xe3o podia perder. Foi um momento muito dif\\xedcil e eu j\\xe1 fui aprendendo a lidar com esses obst\\xe1culos que a vida nos coloca. Eu sabia o progn\\xf3stico do meu pai, n\\xe9? Existe essa palavra na medicina, progn\\xf3stico, que \\xe9 a expectativa de vida de uma pessoa diante de uma determinada doen\\xe7a. E eu sentei pra estudar e sabia que o meu pai teria dez anos de vida, no m\\xe1ximo. E o que eu fiz foi proporcionar ao m\\xe1ximo uma qualidade de vida para ele durante esses nove anos. N\\xe3o foi f\\xe1cil. Eu perdi as contas de quantas vezes eu passei a noite com ele no hospital e fui trabalhar no dia seguinte. Foram muitos anos de plant\\xe3o, uma dedica\\xe7\\xe3o muito grande a ele. Eu sou filha \\xfanica, ent\\xe3o eu meio que carregava a fam\\xedlia nas costas.\\nEnt\\xe3o na minha hist\\xf3ria de vida eu tive algumas experi\\xeancias que acabaram me fortalecendo para quando eu me vejo dentro de um reality show, onde voc\\xea tem que respeitar o espa\\xe7o do outro, convivendo com pessoas muito diferentes. Em 98 dias, o confinamento traz situa\\xe7\\xf5es que a gente acaba vivendo e conhecendo s\\xf3 dentro dele. E eu nunca poderia imaginar que aqui fora as pessoas tamb\\xe9m estivessem tamb\\xe9m passando por uma situa\\xe7\\xe3o semelhante. E talvez por isso tamb\\xe9m essa edi\\xe7\\xe3o do Big Brother tomou essa propor\\xe7\\xe3o, porque as pessoas acabaram se identificando com a nossa realidade l\\xe1 dentro, com qu\\xe3o dif\\xedcil \\xe9 ficar confinado. Se muitas pessoas est\\xe3o confinadas com as pessoas que elas amam e ainda assim parece que os conflitos se exacerbaram, imagina com pessoas que voc\\xea n\\xe3o conhece e que s\\xe3o totalmente diferentes de voc\\xea. Realmente, n\\xe3o foi f\\xe1cil, mas eu pratico a empatia com muita facilidade. L\\xf3gico, l\\xe1 dentro, em 98 dias, teve momentos em que eu tive que me posicionar, falar de uma forma mais incisiva. Mas n\\xe3o \\xe9 o meu perfil ficar brigando 24 horas por dia, pelo bem da minha sa\\xfade emocional.\\nQuando eu sa\\xed, n\\xe3o esperava essa pandemia. Eu achei que fosse algo mais resolutivo a curto prazo. E a\\xed eu me vejo no aeroporto, na fila de embarque, parecia cena do filme, parecia que eu estava entrando num outro mundo. Eu at\\xe9 questionei meu marido se eu poderia levantar a m\\xe1scara pra tomar \\xe1gua. Ele falou: "Mas se voc\\xea n\\xe3o levantar voc\\xea n\\xe3o vai conseguir beber". Eu falei: "\\xc9 porque eu n\\xe3o sei como agir. Eu tenho que me afastar das pessoas para poder beber \\xe1gua?" Ent\\xe3o foi uma experi\\xeancia muito impactante. Eu acho que nunca vou sentir o que foi aqui fora e nem ningu\\xe9m vai saber o que foi l\\xe1 dentro, confinados, tendo uma pandemia que a gente n\\xe3o sabia a propor\\xe7\\xe3o. Enfim, foi uma experi\\xeancia inesquec\\xedvel e que eu vou poder compartilhar com meus filhos e com meus netos. E que s\\xf3 ajudou a somar, mais uma experi\\xeancia para eu me tornar uma pessoa mais forte e com capacidade de me regenerar.\\nVoc\\xea mencionou um personagem desse filme, que \\xe9 o seu marido. Ele deve ter enlouquecido porque de repente a mulher dele, que \\xe9 m\\xe9dica, entra no Big Brother, \\xe9 vista por todo mundo, surgem os haters, um pessoal te chamando de planta. E a\\xed voc\\xea sai de l\\xe1 ovacionada, com R$ 1,5 milh\\xe3o no bolso, famosa, celebrada, festejada. \\xc9 um twist carpado de 360 graus. E ele continua igualzinho, na vida dele. Como \\xe9 que a cabe\\xe7a dele est\\xe1 segurando essa mudan\\xe7a toda?\\xa0Na verdade ele j\\xe1 estava h\\xe1 tr\\xeas anos casado \\u2013 de um relacionamento de 11 anos \\u2013 com uma pessoa vers\\xe1til, ligada no 220V, que chegava inventando as coisas... Eu tenho muito foco no que eu quero. Ent\\xe3o eu chegava pra ele com os meus sonhos e falava: "Olha, eu quero entrar no Big Brother esse ano". Num primeiro momento ele falou: "Ah, voc\\xea est\\xe1 ficando louca". S\\xf3 que a\\xed depois eu consigo colocar as coisas como um projeto de vida e vou tra\\xe7ando caminhos para que se transforme em realidade, vou buscando ferramentas. E \\xe9 interessante que a\\xed, de um dia para o outro, ele abra\\xe7a o meu sonho e vira um grande parceiro, um grande aliado nessa conquista. E com o Big Brother foi assim tamb\\xe9m.\\nE a minha fam\\xedlia, minha m\\xe3e, tamb\\xe9m sofreram muito. N\\xe3o \\xe9 f\\xe1cil ter exposta uma pessoa que voc\\xea ama, que voc\\xea conhece a \\xedndole, o car\\xe1ter. Mas a gente sabia disso, eu sabia quando estive disposta a me expor durante tr\\xeas meses. Mas s\\xf3 sentindo na pele mesmo as pessoas ofendendo, citando coisas que n\\xe3o eram reais e voc\\xea tentando falar: "N\\xe3o, isso n\\xe3o \\xe9 verdade, a minha esposa n\\xe3o \\xe9 assim..." Foi um per\\xedodo dif\\xedcil, mas ele conseguiu sobreviver muito bem. Quando eu sa\\xed encontrei um marido mais maduro, bem posicionado. Ele disse que no come\\xe7o queria atirar pra tudo quanto \\xe9 lado, dava entrevista, queria falar. E depois foi se conscientizando de que ele teria tamb\\xe9m que ter uma empatia com as pessoas que estavam dentro do jogo e foi amadurecendo junto comigo. E hoje a gente \\xe9 parceiro de projeto, trabalha junto. Como fot\\xf3grafo ele \\xe9 um grande aliado, trabalha bastante comigo essa quest\\xe3o com a c\\xe2mera, com a m\\xeddia. \\xc9 uma dupla que tem dado certo.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/08/5f3ec39cbb71c/thelminha-assis-medica-bbb-tripfm-mq2.jpg; CREDITS=Divulga\\xe7\\xe3o; LEGEND=Thelma Assis, 35 anos, m\\xe9dica anestesista, bailarina cl\\xe1ssica e vencedora do BBB 20]\\nLEIA TAMB\\xc9M: Ser negro na universidade \\xe9 foda\\nEu me lembro da Djamila Ribeiro falar numa Casa Tpm: tem dias que eu queria n\\xe3o falar sobre racismo. Queria falar sobre cerveja, sobre o show que eu fui, sobre outras coisas. Mas a\\xed voc\\xea v\\xea que no Big Brother que voc\\xea participou tinham 20 pessoas e s\\xf3 dois eram negros. Ent\\xe3o n\\xe3o d\\xe1 para gente n\\xe3o falar sobre essas quest\\xf5es. Como foi pra voc\\xea chegar num lugar t\\xe3o importante, que voc\\xea sonhava, e ver que tinha s\\xf3 voc\\xea, o Babu e outros 18 brancos?\\xa0Na minha vida eu frequentei muitos ambientes predominantemente brancos. Na faculdade de Medicina, eu era a \\xfanica negra da minha turma de cem pessoas. No ballet, que tamb\\xe9m \\xe9 um curso elitizado, eu era uma das poucas. E me tornando m\\xe9dica eu consegui ter uma condi\\xe7\\xe3o financeira para fazer algumas viagens. Cheguei num hotel bacana na \\xc1frica do Sul e me questionaram se no Brasil existiam muitas pessoas negras. Eu falei: "Como assim? A maioria das pessoas do Brasil s\\xe3o negras". E os funcion\\xe1rios do hotel falaram: "Nossa, mas aqui na \\xc1frica do Sul n\\xe3o v\\xeam muitos brasileiros negros". Ent\\xe3o, infelizmente, eu j\\xe1 passei diversas vezes por essa situa\\xe7\\xe3o. E ao entrar no BBB fiquei procurando quem era o outro personagem negro. Porque parece que a gente sempre faz parte de uma cota. \\u201cN\\xf3s temos que colocar ali duas pessoas pra poder representar\\u201d. Mas n\\xe3o representa. Porque n\\xf3s somos a maioria da popula\\xe7\\xe3o. Infelizmente isso acontece na m\\xeddia, em outros setores tamb\\xe9m. Sempre nos lugares onde a gente v\\xea as pessoas negras eles est\\xe3o ali na presta\\xe7\\xe3o de servi\\xe7o, subservientes. Infelizmente, nos lugares de destaque, a gente ainda n\\xe3o v\\xea na mesma propor\\xe7\\xe3o da nossa popula\\xe7\\xe3o. E o que acontece? A gente acaba sempre se aliando, somando. Foi o que aconteceu comigo e com o Babu. Ent\\xe3o uma das primeiras frases que eu falei pro Babu foi: "A gente sabe, n\\xe9? A nossa c\\xfatis sempre nos aproxima". E \\xe9 isso. Eu conversava muito pouco sobre jogo com o Babu. Conversava mais de hist\\xf3ria de vida, porque \\xe9 inevit\\xe1vel. Ele sendo um cara que cresceu na favela, eu sendo uma mulher negra que cresci na periferia de S\\xe3o Paulo. Em v\\xe1rios momentos a nossa hist\\xf3ria se cruzava. Porque a gente vive num pa\\xeds racista e que tem um racismo de forma estrutural. Ent\\xe3o nesse momento voc\\xea faz o qu\\xea? Voc\\xea fala: a gente tem que honrar aqui, orgulhar as pessoas e mostrar que a cor da minha pele n\\xe3o tem que limitar a minha capacidade para nada. Foi a mesma sensa\\xe7\\xe3o que eu tive quando eu entrei na faculdade. A gente fica sempre buscando se provar, a sensa\\xe7\\xe3o \\xe9 que eu tenho que ser duas, tr\\xeas vezes melhor para mostrar para a sociedade que eu existo e que eu tenho capacidade pra tudo que eu desejar fazer.\\nA Angela Davis, que \\xe9 uma grande personalidade internacional, mulher negra, tem uma frase: \\u201cQuando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela\\u201d. Eu fico feliz em participar de um reality show onde as pessoas conseguiram honrar e legitimar as bandeiras de uma mulher negra, que vive v\\xe1rias opress\\xf5es \\u2013 a de g\\xeanero, do machismo, do racismo e muitas vezes a da desigualdade social, que est\\xe1 ali atrelada. Esse movimento todo que ganhou holofote esse ano, que come\\xe7ou nos Estados Unidos e refletiu muito aqui, trouxe isso. E a Djamila Ribeiro e v\\xe1rias personalidades negras t\\xeam falado: a gente n\\xe3o quer mais falar somente sobre racismo porque o racismo n\\xe3o \\xe9 um problema das pessoas negras. O racismo \\xe9 um problema das pessoas brancas, principalmente. Ent\\xe3o acho que isso come\\xe7ou a virar a chavinha na cabe\\xe7a das pessoas brancas e das outras etnias. Porque n\\xe3o basta eu ficar falando. Eu consigo ficar aqui horas contando as situa\\xe7\\xf5es racistas pelas quais eu passei, mas n\\xe3o vai adiantar. A pessoa n\\xe3o vai conseguir ser emp\\xe1tica em rela\\xe7\\xe3o a isso se ela tamb\\xe9m n\\xe3o parar para pensar, ler, estudar. Ent\\xe3o fico feliz que eu participei de um reality show que levantou bandeiras e debates importantes pra toda a popula\\xe7\\xe3o. Porque acho que ali dentro eles colocam uma amostra do que \\xe9 a popula\\xe7\\xe3o aqui fora, isso \\xe9 inevit\\xe1vel. Ent\\xe3o em 20 pessoas voc\\xea consegue ver, sim, o que as mulheres passam diariamente, o que as pessoas negras passam diariamente. E isso virou debate, \\xf3timo, e que continue sendo assim.\\nQueria explorar um pouco a sua rela\\xe7\\xe3o com o Babu, que foi muito interessante assistir. Ficou evidente que ele vestia muito essa coisa da irmandade negra e falava que isso estava acima de qualquer parada. E teve um momento em que voc\\xea ficou muito dividida entre o Babu e honrar a amizade com as meninas, a parceria, a sororidade. Deve ter sido muito dif\\xedcil votar no Babu e passar por traidora dessa irmandade que voc\\xea estabeleceu com ele. Como \\xe9 que se toma uma decis\\xe3o dessas? \\xc9 muito legal falar sobre isso. O meu primeiro contato com o Babu foi exatamente esse, de irmandade. A gente se reconhece, as \\xfanicas pessoas negras dentro de um jogo, e por ter muitas coisas em comum na nossa hist\\xf3ria de vida. A minha rela\\xe7\\xe3o com ele era de admira\\xe7\\xe3o. Ele me admirava como mulher negra m\\xe9dica, por tudo o que eu sou, e eu tamb\\xe9m admirava ele. S\\xf3 que l\\xe1 dentro a gente estava dentro de um jogo e quem acompanhou desde o come\\xe7o percebeu que o Babu escolheu um lado, com seus aliados, e eu escolhi o outro. Na verdade eu fiz um jogo muito arriscado porque eu escolhi proteger uma pessoa que estava do outro lado. A qualquer momento eu poderia virar um alvo dentro do meu lado, que era ali o que a gente chamava de \\u201ccomunidade hippie\\u201d. Tanto que a \\u201ccomunidade hippie\\u201d quebrou por minha causa, porque algumas pessoas n\\xe3o entendiam meu relacionamento com o Babu. N\\xe3o entendiam um cara admir\\xe1vel, um cara com uma hist\\xf3ria de vida que era muito parecida com a minha. Tanto que me deram o Monstro [puni\\xe7\\xe3o no programa], falavam mal de mim pelas costas, tudo porque eu dizia que era aliada a ele. Falei para a Manu Gavassi: eu esque\\xe7o o que as pessoas fazem de mal para mim, mas eu n\\xe3o esque\\xe7o o que elas fazem bem. Ele me deu um Anjo [a imunidade na competi\\xe7\\xe3o] l\\xe1 na segunda semana e eu falei o jogo inteiro que, se eu ganhasse um Anjo, independente de quem fossem os meus aliados, eu retribuiria para ele.\\nS\\xf3 que a\\xed o jogo vai acontecendo e eu fui vendo que, durante v\\xe1rias vezes, ele esteve ao lado de pessoas com quem eu n\\xe3o concordava com as atitudes l\\xe1 dentro. E a\\xed o pessoal da produ\\xe7\\xe3o falou: vamos criar um conflito. Porque naquele momento em que eu tive que votar no Babu teriam outras pessoas pra votar, se fosse uma escolha livre. Mas eles fecharam o cerco: \\u201cAh, \\xe9, voc\\xeas se amam, voc\\xeas se gostam? Ent\\xe3o vamos fechar o cerco aqui\\u201d. E a\\xed eles fizeram uma fotografia do que acontece com a mulher negra na sociedade. Como \\xe9 que eu fa\\xe7o para escolher? O que pesa mais para mim, o machismo ou o racismo? S\\xe3o opress\\xf5es que eu sofri a vida inteira. Ent\\xe3o eu olho para um cara que eu me aliei por irmandade ou eu olho para uma menina que sempre me defendeu dentro do jogo, que sempre me respeitou e que sempre pensou como eu? E foi o que pesou mais. Porque o Big Brother \\xe9 um jogo que n\\xf3s, que estamos l\\xe1, s\\xf3 temos duas c\\xe2meras, que s\\xe3o os nossos olhos. Voc\\xeas aqui fora t\\xeam duzentas. Ent\\xe3o quem foi essa pessoa, que sempre pensou como eu no jogo? Foi a Rafa. Eu tive que escolher e faz parte do jogo. Aqui fora eu nunca escolheria entre o Babu e a Rafa, eu sou amiga dos dois. Mas dentro do jogo eu escolhi. E a\\xed fui massacrada por alguns aqui fora. Mas \\xe9 isso, n\\xe9? A mulher negra sempre acaba levando v\\xe1rias cr\\xedticas por isso. N\\xe3o tem como escolher entre machismo e racismo. O que d\\xf3i mais em mim? D\\xf3i os dois. E isso aconteceu l\\xe1 dentro. Eu n\\xe3o me arrependo de nada que eu fiz, estou muito feliz.\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Guti Fraga, o criador do N\\xf3s do Morro, fala da atua\\xe7\\xe3o do projeto na pandemia e da felicidade de ter visto Babu no\\xa0BBB\\nVoc\\xea teve muitas dificuldades financeiras quando crian\\xe7a e depois, quando estudante. Como \\xe9 que est\\xe1 sendo agora, que voc\\xea ganhou pr\\xeamios, fez contratos bacanas? Qual \\xe9 a sua leitura da import\\xe2ncia do dinheiro na nossa vida? Eu aprendi a valorizar muito o dinheiro. Eu j\\xe1 tinha essa rela\\xe7\\xe3o com o dinheiro porque eu tinha uma fam\\xedlia que trabalhava para pagar as contas b\\xe1sicas, \\xe1gua, luz, mercado. E era essa a vida. Viagem n\\xe3o tinha, roupa n\\xe3o tinha. Era tudo contadinho. Tanto que para uma coisa fundamental, que \\xe9 o estudo, muitas vezes faltou. Eu estudei em escola p\\xfablica, na faculdade tive que ter bolsa, ent\\xe3o era uma fam\\xedlia que tinha o b\\xe1sico. Quando eu virei m\\xe9dica j\\xe1 aprendi a dar um valor muito grande para o dinheiro. Eu sou de uma gera\\xe7\\xe3o que come\\xe7ou a ser pioneira na universidade, ent\\xe3o eu tenho primos que t\\xeam curso superior e que conseguiram melhorar a condi\\xe7\\xe3o de vida. E eu a \\xfanica m\\xe9dica. S\\xf3 que a\\xed eu tinha pai, m\\xe3e, muita gente para ajudar. Ent\\xe3o, como m\\xe9dica, eu ainda n\\xe3o tinha conseguido conquistar uma grana satisfat\\xf3ria para sair fazendo coisas absurdas do ponto de vista financeiro. E depois de ganhar o pr\\xeamio o p\\xe9 ficou cada vez mais no ch\\xe3o. Eu ainda n\\xe3o tenho casa pr\\xf3pria, eu tenho o sonho, mas sei que nesse momento, ainda mais numa pandemia, o melhor a fazer foi investir esse dinheiro. E tudo o que eu tenho trabalhado tenho poupado e valorizado muito pra poder l\\xe1 na frente colher os frutos.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/08/5f3ec3ca02ba0/thelminha-assis-medica-bbb-tripfm-mq3.jpg; CREDITS=Reprodu\\xe7\\xe3o / Instagram; LEGEND=Thelma Assis, 35 anos, m\\xe9dica anestesista, bailarina cl\\xe1ssica e vencedora do BBB 20]\\nLEIA TAMB\\xc9M: O pai da Manu Gavassi, a final do BBB e a loucura das redes\\nAl\\xe9m de todas essas dores que voc\\xea enfrentou, como mulher negra, as dificuldades financeiras, voc\\xea descobriu aos 15 anos que foi adotada, atrav\\xe9s de uma liga\\xe7\\xe3o an\\xf4nima. S\\xf3 isso daria um programa inteiro. Eu acho muito voc\\xea lidar com dor profissionalmente. Qual foi a maior dor que voc\\xea j\\xe1 sentiu, de alma?\\xa0V\\xe1rias, mas o luto com certeza \\xe9 uma dor inesquec\\xedvel. Ent\\xe3o a perda do meu pai, a perda dos meus av\\xf3s quando crian\\xe7a, s\\xe3o dores bem marcantes. \\xc9 interessante voc\\xea fazer essa analogia, de trabalhar com dor, porque realmente a dor tem um componente emocional muito importante. Os pacientes t\\xeam muito temor, existe um mito em torno da anestesia, e n\\xe3o tem nada mais gratificante do que poder tentar esclarecer, transmitir uma seguran\\xe7a. E depois enxergar o desfecho, quando o paciente acorda e fala: \\u201cNossa, mas j\\xe1 passou? J\\xe1 operei? Nem senti nada\\u201d. \\xc9 muito gratificante e acho que \\xe9 a primeira vez que eu enxergo desse ponto de vista. Talvez por ser uma pessoa que teve dores de alma ao longo da vida seja t\\xe3o gratificante tirar a dor das pessoas no dia a dia.\\nNessa onda do cancelamento, houve recentemente uma pol\\xeamica envolvendo uma das intelectuais mais respeitadas do Brasil, a Lilia Schwarcz. Ela fez um artigo sobre o novo v\\xeddeo da Beyonc\\xe9 que foi muito atacado, apareceu essa quest\\xe3o do lugar de fala, de uma intelectual branca fazendo uma cr\\xedtica meio enviesada. Eu queria saber como voc\\xea v\\xea uma quest\\xe3o assim. Uma pessoa como ela, que dedicou a vida a estudar a sociedade, as mazelas mais agudas, incluindo o racismo, pode falar sobre uma artista negra? Ela pode falar sobre o racismo? Eu passei nove anos da minha vida estudando medicina, ent\\xe3o eu vou ter propriedade todas as vezes que eu tiver que falar sobre medicina. Se ela passou v\\xe1rios anos da vida dela estudando antropologia, vai poder falar sobre isso. Mas o que a gente diz sobre lugar de fala s\\xe3o as experi\\xeancias que a pessoa viveu, e isso \\xe9 impag\\xe1vel. A experi\\xeancia que mostra e exacerba as nossas cicatrizes, e isso s\\xf3 quem viveu mesmo \\xe9 que pode falar. Ent\\xe3o acho que todos os profissionais que brilhantemente se dedicam a estudar e de alguma forma colaborar para vencer esse racismo estrutural precisam ter s\\xf3 a quest\\xe3o da sensibilidade na hora de abordar esses assuntos. A Beyonc\\xe9 \\xe9 uma baita imagem representativa. O que a gente tanto fala de representatividade, ela \\xe9 representa\\xe7\\xe3o pra v\\xe1rias pessoas. Ent\\xe3o \\xe9 um campo muito sens\\xedvel, criticar uma pessoa que, pra muitos de n\\xf3s, pra mim tamb\\xe9m, \\xe9 sin\\xf4nimo de poder, de "eu quero ser que nem ela". Uma mulher rica, bem sucedida, e que n\\xe3o quer mostrar o lado somente de mazela, de escravid\\xe3o, abolicionista. Ela quer mostrar um lado de status, de empoderamento, e a forma como ela enxerga e como ela quer mostrar. Acho que \\xe9 uma forma v\\xe1lida, que se muitas pessoas se identificam e se sentem representadas, ent\\xe3o tem que respeitar isso tamb\\xe9m. \\xc9 super v\\xe1lido o estudo, a dedica\\xe7\\xe3o, porque eu acho que a gente tem que somar. Somar num pa\\xeds que \\xe9 muito racista, que tem um racismo estrutural, e que as pessoas precisam entender isso. \\xc9 como voc\\xea falou, a gente est\\xe1 na pol\\xedtica do cancelamento, ent\\xe3o, sempre que for um campo mais sens\\xedvel, o lugar de falar \\xe9 super v\\xe1lido, com certeza. Ou questionar algu\\xe9m que tem esse lugar de fala, como a Djamila Ribeiro, que a gente citou, e outras tantas personalidades que podem agregar conhecimento quando a gente tiver que se posicionar sobre racismo e essas quest\\xf5es.'