Sophia Bisilliat: Sempre me senti bem no presidio

Published: Nov. 19, 2021, 11 p.m.

b'Ativista social conta sobre o trabalho no presídio do Carandiru, na Cracolândia e fala da relação com o dinheiro\\n \\n Neta de um diplomata e filha de uma artista genial, Sophia Bisilliat tinha tudo para escolher uma vida diferente. Durante muito tempo, no entanto, ela sentiu culpa pela condi\\xe7\\xe3o social em que nasceu. Ainda adolescente, passava de metr\\xf4 em frente ao pres\\xeddio do Carandiru e sentia uma vontade inexplic\\xe1vel de explorar um mundo que em quase nada tinha a ver com o seu. \\xc9 verdade que o trabalho com povos ind\\xedgenas e sertanejos de sua m\\xe3e, a celebrada fot\\xf3grafa Maureen Bisilliat, possa ter plantado a semente do ativismo social em Sophia, mas, por outro lado, Maureen viajava muito e foi pouco presente em sua cria\\xe7\\xe3o.\\nHoje com 58 anos, Sophia pela primeira vez conseguiu alguma estabilidade financeira como professora de ioga. Antes disso, ela trabalhou muito, mas sempre de gra\\xe7a. Aos dezessete realizou o seu desejo de visitar o sistema carcer\\xe1rio por meio de um projeto que levava teatro aos detentos; foi a via que encontrou sendo uma atriz aspirante. Com o tempo, a iniciativa foi se dissolvendo, mas ela seguiu visitando o c\\xe1rcere, onde finalmente criou o Talentos Aprisionados, um trabalho muito elogiado que visava encontrar artistas escondidos detr\\xe1s das celas. Foi da\\xed que surgiu o grupo de rap 509-E, de Dexter e Afro-X, e o escritor Luiz Alberto Mendes, finalista do Pr\\xeamio Jabuti de Literatura em 2006 e colunista da revista Trip at\\xe9 o seu falecimento, em 2020. "Quando comecei a trabalhar l\\xe1 dentro, usava um jalec\\xe3o que funcionava como uma esp\\xe9cie de escudo. Sempre me senti muito segura. Essa era a gra\\xe7a: ser uma mulher ao lado de 7.500 presos, andando sozinha, e com respeito total", conta.\\xa0\\nCom a pandemia pelo novo coronav\\xedrus, os esfor\\xe7os de Sophia se voltaram a distribuir cestas b\\xe1sicas em favelas de S\\xe3o Paulo, onde tamb\\xe9m aos poucos retoma os treinos de ioga que oferece gratuitamente nas lajes. "\\xc9 incr\\xedvel o que estamos fazendo para a autoestima dessas mulheres\\u201d, conta sobre as participantes. Moradora de uma escola de circo, ela pouco fica em casa. Mesmo para o pr\\xf3ximo Natal, j\\xe1 assumiu o compromisso de fazer uma ceia para os dependentes qu\\xedmicos na Cracol\\xe2ndia, outro pilar de suas a\\xe7\\xf5es. "Qualquer um pode cair na Cracol\\xe2ndia, ningu\\xe9m est\\xe1 livre de uma depress\\xe3o. Se voc\\xea tem dinheiro, claro, pode evitar a pris\\xe3o, mas se voc\\xea se vicia, n\\xe3o h\\xe1 como sair dessa".\\xa0\\nNo\\xa0Trip FM, Sophia conta mais sobre a sua inf\\xe2ncia e o dia a dia nas cadeias. Ou\\xe7a o programa no Spotify, no play nesta reportagem ou leia um trecho da entrevista a seguir.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/11/6197c020511f9/tripfm-sophia-bisilliat-atriz-mh-2.jpg; CREDITS=Divulga\\xe7\\xe3o; LEGEND=Sophia Bisilliat; ALT_TEXT=Sophia Bisilliat]\\nTrip. Seu pai era franc\\xeas e a sua m\\xe3e inglesa. Voc\\xea \\xe9 filha de expatriados. Me conta um pouco sobre a sua fam\\xedlia.\\nSophia Bisilliat. Eles se conheceram aqui no Brasil. Meu pai lutou na guerra e foi preso, condenado \\xe0 morte: tinha apenas 16 anos. Acabou fugindo, foi para a Argentina e terminou no Brasil. A vida dele foi complicada, amarrada. Minha m\\xe3e era filha de diplomata, viveu muito tempo viajando, ent\\xe3o nunca teve raiz. Ela era do mundo. Ambos tiveram filhos de casamentos anteriores, mas se apaixonaram porque viviam no mesmo pr\\xe9dio. Minha m\\xe3e era uma borboleta, viajava muito. A\\xed eu nasci e tive uma inf\\xe2ncia conturbada pois existiam esses filhos que n\\xe3o tinham um destino muito certo. Vieram as consequ\\xeancias para todos n\\xf3s. Filho voc\\xea tem para cuidar e n\\xe3o para largar no mundo. Eles deixavam e a gente foi se virando.\\n\\xc9 razo\\xe1vel fazer uma liga\\xe7\\xe3o de uma inf\\xe2ncia de pais ausentes e essa sua vontade de dar uma m\\xe3o para pessoas abandonadas?\\xa0Eu acho que sim. Quando comecei a trabalhar no Carandiru, eu era muito nova, n\\xe3o ganhava nada e as pessoas ficavam me perguntando o porqu\\xea. At\\xe9 hoje eu n\\xe3o ganho em tudo que fa\\xe7o socialmente, mas \\xe9 algo muito mais forte do que eu. N\\xe3o consigo explicar, mas com certeza a minha origem foi desembocar nesse meu trabalho. A fotografia da minha m\\xe3e \\xe9 uma est\\xe9tica muito lapidada, mas vou mais no foco e n\\xe3o vejo muito a est\\xe9tica. Acompanhei ela em duas viagens; aquilo j\\xe1 me marcou muito. E tamb\\xe9m eu era cuidada por uma pessoa que morava com a gente. Convivi muito mais com a classe social dela do que com a dos meus pais.\\nA sua biografia \\xe9 muito at\\xedpica. Uma menina de dezessete anos entrar para atuar no Carandiru n\\xe3o acontecia. Como voc\\xea foi parar dentro dessa cadeia gigantesca?\\xa0Eu parava na esta\\xe7\\xe3o Carandiru do metr\\xf4 e ficava encantada com aquilo e dizia a mim mesmo que iria trabalhar l\\xe1 dentro. A ferramenta que eu tinha era a minha forma\\xe7\\xe3o como atriz. Entrei em um grupo que queria dar aulas de atua\\xe7\\xe3o no pres\\xeddio. Isso durou oito meses, mas n\\xe3o quis parar. Continuei sozinha, a\\xed j\\xe1 n\\xe3o era mais teatro, era o Talentos Aprisionados. Andava por l\\xe1 para descobrir talentos na literatura, na pintura, na m\\xfasica. Queria levar o melhor. Fiz de tudo l\\xe1, consegui material para reformar as escolas. Mas era tudo um pretexto para continuar nesse ambiente, onde as pessoas acham que vive a esc\\xf3ria da esc\\xf3ria, mas que sempre me senti bem e segura. Usava um jalec\\xe3o que funcionava como uma esp\\xe9cie de escudo. Essa era a gra\\xe7a: ser uma mulher ao lado de 7.500 presos, andando sozinha, e com respeito total.'