Sidarta Ribeiro: sonho, memoria e maconha

Published: March 12, 2021, 11 p.m.

b'O neurocientista fala sobre o uso de canabinoides no tratamento de doenças como o câncer e como o excesso de telas está nos deixando burros\\n \\n Uma breve apresenta\\xe7\\xe3o mal d\\xe1 conta de enumerar todos os t\\xedtulos de Sidarta Ribeiro. Fundador e vice-diretor do Instituto C\\xe9rebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde cuida do laborat\\xf3rio Sonho, Sono e Mem\\xf3ria,\\xa0o neurocientista \\xe9 mestre em biof\\xedsica, doutor em comportamento animal, p\\xf3s-doutor em neurofisiologia e, bem, pra longe da ci\\xeancia, contramestre\\xa0de capoeira, disc\\xedpulo de Mestre Caxias e Paulinho Sabi\\xe1.\\nLEIA TAMB\\xc9M: Dormir para aprender\\nEle j\\xe1 publicou mais de uma centenas de artigos, mas foi seu livro, O Or\\xe1culo da Noite, que levou a hist\\xf3ria e a ci\\xeancia dos sonhos para a cabeceira de milhares de pessoas que nunca folhearam um peri\\xf3dico cient\\xedfico. Para al\\xe9m de sua extensa pesquisa sobre nosso sono, Sidarta tamb\\xe9m \\xe9\\xa0um dos maiores nomes do pa\\xeds quando se fala em subst\\xe2ncias psicoativas, em especial a maconha. O neurocientista defende que a cannabis \\xe9 a grande revolu\\xe7\\xe3o da medicina do s\\xe9culo 21, assim como os antibi\\xf3ticos foram no s\\xe9culo passado. "O Brasil ainda n\\xe3o conseguiu regulamentar coisas b\\xe1sicas como o direito ao cultivo em casa ou em associa\\xe7\\xf5es e cooperativas, a disponibilidade de canabinoides para pesquisa, e continua agredindo a popula\\xe7\\xe3o por comercializar rem\\xe9dios", diz. "\\xc9 preciso regulamentar o uso medicinal da maconha imediatamente, porque a popula\\xe7\\xe3o sofre muito".\\nASSISTA:\\n[VIDEO=https://www.youtube.com/embed/awv651vNE74; CREDITS=; LEGEND=; IMAGE=https://img.youtube.com/vi/awv651vNE74/sddefault.jpg]\\nNo papo com o\\xa0Trip FM, Sidarta fala sobre o avan\\xe7o dos estudos que mostram os efeitos de canabinoides no tratamento de doen\\xe7as como Alzheimer, Parkinson e at\\xe9 mesmo no controle de tumores de c\\xe2ncer,\\xa0as consequ\\xeancias do uso excessivo de telas em crian\\xe7as e adolescentes e a import\\xe2ncia do sono de qualidade em nossa vida. Ou\\xe7a o programa no\\xa0Spotify, no play abaixo ou leia um trecho da entrevista a seguir.\\n[AUDIO=https://p.audio.uol.com.br/trip/2021/3/TripFM_SidartaRibeiro_Podcast01.mp3; IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/03/604bbff6223d6/sidarta-ribeiro-cientista-sono-trip-fm-mh2.jpg]\\nTrip. Quais s\\xe3o as novidades sobre os efeitos terap\\xeauticos das subst\\xe2ncias que v\\xeam da planta cannabis?\\nSidarta Ribeiro. A cannabis n\\xe3o \\xe9 uma planta que \\xe9 um s\\xf3 rem\\xe9dio, ela \\xe9 muitos rem\\xe9dios diferentes, porque ela tem diversas gen\\xe9ticas. Existem tamb\\xe9m diferentes maneiras de prepar\\xe1-la, de cur\\xe1-la, de fazer extratos e aquecimentos a diferentes temperaturas que v\\xe3o permitir a utiliza\\xe7\\xe3o de mais de 400 compostos de interesse terap\\xeautico, que a gente chama de canabinoides, terpernos, flavonoides. Ent\\xe3o a cannabis veio para ficar. \\xc9 importante que as pessoas entendam: a medicina do s\\xe9culo 21 \\xe9 uma medicina can\\xe1bica. A cannabis \\xe9 muito importante na neurologia, por exemplo, no controle de epilepsias, para mitigar e potencialmente reverter os danos cognitivos no Mal de Alzheimer ou para diminuir tremores no Mal de Parkinson. Tamb\\xe9m para controle de dores neurop\\xe1ticas e cr\\xf4nicas, e, na cl\\xednica do c\\xe2ncer, n\\xe3o s\\xf3 pela mitiga\\xe7\\xe3o dos efeitos colaterais de radioterapia e quimioterapia, mas tamb\\xe9m porque existem combina\\xe7\\xf5es de canabinoides que s\\xe3o antitumorais, em particular para gliobastoma. Mas \\xe9 muito importante que a interven\\xe7\\xe3o seja feita cedo, bem no in\\xedcio, e essa evid\\xeancia da capacidade antitumoral dos canabinoides est\\xe1 crescendo muito r\\xe1pido.\\n[QUOTE=1172]\\nEu tenho falado que a maconha est\\xe1 para a medicina do s\\xe9culo 21 assim como os antibi\\xf3ticos para o s\\xe9culo 20. N\\xe3o d\\xe1 para tapar o sol com a peneira. Existem muitos negacionistas da maconha medicinal no Brasil, mas isso est\\xe1 mudando porque os pacientes e seus familiares est\\xe3o exigindo serem tratados com o que tem de melhor. Muitas vezes o que tem de melhor n\\xe3o \\xe9 o canabinoide puro, que \\xe9 caro, mas um extrato de amplo espectro de uma planta que \\xe9 muito mais barata e que tem potencialidades terap\\xeauticas do que a gente chama de efeito comitiva, que \\xe9 um efeito sin\\xe9rgico, de coopera\\xe7\\xe3o qu\\xedmica entre diferentes canabinoides. Por exemplo, a combina\\xe7\\xe3o de THC com CBD \\xe9 extremamente terap\\xeautica. O CBD reduz alguns dos efeitos adversos do THC e permite que os efeitos benignos estejam presentes. E \\xe9 muito interessante porque s\\xe3o duas mol\\xe9culas praticamente id\\xeanticas, a diferen\\xe7a \\xe9 uma liga\\xe7\\xe3o. Essa uma liga\\xe7\\xe3o faz com que ela se torne fisiologicamente quase que opostas, ent\\xe3o uma equilibra a outra. Ent\\xe3o existe uma qu\\xedmica fina sendo feita hoje em pa\\xedses como Israel, Alemanha, Estados Unidos, mas o Brasil est\\xe1 muito atrasado nessa hist\\xf3ria toda. O pa\\xeds ainda n\\xe3o conseguiu regulamentar coisas b\\xe1sicas como o direito ao cultivo em casa ou em associa\\xe7\\xf5es e cooperativas, a disponibilidade de canabinoides para pesquisa, e continua agredindo a popula\\xe7\\xe3o por comercializar rem\\xe9dios. Ent\\xe3o \\xe9 preciso realmente legalizar, regulamentar o uso medicinal da maconha imediatamente porque a popula\\xe7\\xe3o sofre muito. Inclusive em rela\\xe7\\xe3o \\xe0 Covid houve um aumento muito grande do consumo de maconha \\u2013 n\\xe3o s\\xf3 aqui, mas em diferentes pa\\xedses do mundo \\u2013, s\\xf3 que em um ambiente de proibi\\xe7\\xe3o, ent\\xe3o com muitos danos farmatol\\xf3gicos e sociais aos usu\\xe1rios. Isso precisa mudar.\\xa0\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/03/604bc02e8e0e7/sidarta-ribeiro-cientista-sono-trip-fm-mh1.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Sidarta Ribeiro, na formatura da Rockefeller University, em 2001; ALT_TEXT=Sidarta Ribeiro formatura beca sorrindo]\\nLEIA TAMB\\xc9M: Chapado na Chapada: a viagem lis\\xe9rgica de Sidarta Ribeiro\\nO uso de dispositivos eletr\\xf4nicos tamb\\xe9m aumentou significativamente. 65% das crian\\xe7as e adolescentes est\\xe3o viciados em dispositivos e s\\xe3o incapazes de manter dist\\xe2ncia deles mesmo que por 30 minutos. As crian\\xe7as est\\xe3o completamente dependentes e os adultos tamb\\xe9m. Me fale um pouco dessa desgra\\xe7a. Eu concordo contigo, \\xe9 uma desgra\\xe7a. Tenho um filho de 10 e outro de 3. Os dois s\\xe3o superdependentes de tela e eu limitei em duas horas, no m\\xe1ximo, para o mais velho, e o menor estou tentando que seja menos ou nada. Mas \\xe9 uma guerra, uma depend\\xeancia gigantesca, uma grande irresponsabilidade que a gente j\\xe1 cometeu com nossos filhos, netos e conosco tamb\\xe9m. Estamos tamb\\xe9m afetados por isso. \\xc9 uma grande pandemia de celulares, de tablets, de laptops, de estarmos todos online o tempo todo, muita ansiedade. Tem um livro importante feito por um neurocientista franc\\xeas,\\xa0Michel Desmurget, que se chama A F\\xe1brica de Cretinos. Ele argumenta que o uso excessivo de telas \\xe9 a explica\\xe7\\xe3o para o fato de que essa gera\\xe7\\xe3o mais jovem, com 15 anos ou menos, tem um QI menor do que seus pais. Isso nunca tinha acontecido desde que o QI foi inventado. A cada gera\\xe7\\xe3o o QI aumentava, e agora caiu.\\nIsso tem a ver com um achatamento de uma experi\\xeancia que era muito rica: voc\\xea brincava, conversava, estudava mais, lia mais. As crian\\xe7as e adolescentes do passado faziam uma diversidade de estimula\\xe7\\xf5es sensoriais e motoras que tinham pouca tela, no m\\xe1ximo uma televis\\xe3o com dois ou tr\\xeas canais. Agora n\\xe3o, \\xe9 uma coisa infinita. As crian\\xe7as est\\xe3o completamente dependentes e os pais, n\\xe3o conseguindo lidar com os filhos dentro de casa, entregam eles para as telas e, muitas vezes, tamb\\xe9m se entregam para as telas. Ent\\xe3o voc\\xea tem situa\\xe7\\xf5es em que h\\xe1 quatro, cinco, seis pessoas na casa, cada um com uma tela diferente, \\xe0s vezes com volume alto ao mesmo tempo, uma cacofonia. \\xc9 uma f\\xe1brica de doidos, provavelmente uma f\\xe1brica de cretinos. Eu estou tentando convencer meu filho mais velho a entender a necessidade de regrar, de moderar e buscar um caminho do meio. A tela n\\xe3o \\xe9 ruim. O excesso de tela, sim.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/03/604bc06ba1bd7/sidarta-ribeiro-cientista-sono-trip-fm-mq1.jpg; CREDITS=Divulga\\xe7\\xe3o; LEGEND=Sidarta Ribeiro, neurocientista e professor, vencedor da categoria "Sono" do premio TRIP Transformadores de 2007; ALT_TEXT=Sidarta Ribeiro neurocientista sorrindo foto preto e branca]\\nH\\xe1 15 anos a Trip fez uma esp\\xe9cie de statement, uma declara\\xe7\\xe3o das coisas que ela achava mais importante na vida, e uma delas \\xe9 o sono. Desde l\\xe1 a gente sabia que havia muito significado na ideia de dormir com qualidade, com tempo, com profundidade. Sidarta, o que \\xe9 o sono e o que \\xe9 o sonho?\\xa0Ambos s\\xe3o extremamente importantes. O sono \\xe9 fundamental. Sem ele, a vida humana n\\xe3o \\xe9 poss\\xedvel. Um animal privado completamente do sono n\\xe3o sobrevive. O sono \\xe9 superimportante para a forma\\xe7\\xe3o de prote\\xednas, ent\\xe3o tanto para a pessoa que est\\xe1 querendo aprender muito quanto para a pessoa que est\\xe1 querendo fazer muito m\\xfasculo. A\\xed se aproximam o intelectual do marombeiro, entendeu? O sono \\xe9 fundamental para regula\\xe7\\xe3o hormonal, para a desintoxica\\xe7\\xe3o do c\\xe9rebro, para limpar uma s\\xe9rie de toxinas produzidas pelo pr\\xf3prio c\\xe9rebro. Ent\\xe3o s\\xe3o v\\xe1rios n\\xedveis de fun\\xe7\\xf5es diferentes e, no topo do bolo, tem uma cereja que \\xe9 o sonho. O sonho j\\xe1 \\xe9 um processamento de mais alta ordem, mais complexo que diz respeito \\xe0 simula\\xe7\\xe3o de situa\\xe7\\xf5es, de comportamentos, de cenas, de imagens, de dilemas, de problemas. Eles dizem respeito \\xe0 navega\\xe7\\xe3o do mundo complexo das cascatas de s\\xedmbolos que a gente gera todos os dias. Todos esses n\\xedveis dizem respeito \\xe0 sa\\xfade f\\xedsica e mental das pessoas. A pessoa que consegue ter um sono de boa qualidade \\u2013 que come\\xe7a n\\xe3o muito tarde, termina n\\xe3o muito cedo, n\\xe3o \\xe9 fragmentado e que, ainda por cima, permite a lembran\\xe7a do sonho \\u2013 est\\xe1 muito bem na fita, est\\xe1 muito bem posicionada para ter sa\\xfade persistente do corpo e da mente.'