Roberto DaMatta: O Brasil precisa parar de se suicidar

Published: Dec. 3, 2021, 11 p.m.

b'O antropólogo que dedicou a maior parte de sua vida a entender o que é o Brasil fala sobre o fim da vida, fama e o momento político do país\\n \\n Roberto DaMatta sempre preferiu andar na contram\\xe3o. No fim dos anos 60, quando muitos de seus companheiros protestavam contra a influ\\xeancia americana no pa\\xeds, o antrop\\xf3logo de Niter\\xf3i (RJ) rumou aos Estados Unidos para fazer mestrado e doutorado em Harvard. Por outro lado, enquanto outros tentavam entender o Brasil a partir de teses marxistas ou de estruturalistas franceses, ele resgatava o soci\\xf3logo pernambucano Gilberto Freyre, passava ao largo do conceito de classe social e tentava construir uma antropologia \\xe0 brasileira, baseada na observa\\xe7\\xe3o e compreens\\xe3o de fen\\xf4menos locais como o Carnaval, o futebol, o jogo do bicho.\\nDe 1987 a 2004, o antrop\\xf3logo foi professor da Universidade de Notre Dame, em Indiana \\u2013 e se tornou a voz mais ouvida pelos americanos para tentar entender o Brasil. Mas nunca tirou os dois p\\xe9s de seu pa\\xeds natal. Voltava tr\\xeas vezes por ano e se abastecia de novas ideias. At\\xe9 que cansou dos EUA e decidiu retornar de vez para morar em Niter\\xf3i.\\nDaMatta voltou em 2004, entre outros motivos, para ficar perto dos filhos e netos. Mas teve de lidar com v\\xe1rias perdas na fam\\xedlia desde ent\\xe3o: o irm\\xe3o mais novo morreu de c\\xe2ncer; o filho mais velho, comandante da Varig, sofreu um infarto fatal; a mulher chegou a um est\\xe1gio avan\\xe7ado do Alzheimer.\\nEm um papo com o Trip FM, o antrop\\xf3logo fala sobre a morte, fama e discute o momento pol\\xedtico do pa\\xeds. Ou\\xe7a o programa no Spotify, no play nesta reportagem ou leia um trecho da entrevista a seguir.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/12/61aa4054357dc/roberto-da-matta-antropologo-tripfm-mh.jpg; CREDITS=Marcelo Gomes / Acervo TRIP; LEGEND=Roberto Da Matta; ALT_TEXT=Roberto Da Matta de bra\\xe7os cruzados dentro de um carro em um ferro velho]\\nTrip. Para imitar uma pergunta que o Ant\\xf4nio Abujamra fazia \\xe0s vezes no programa dele: Roberto, o que \\xe9 a morte?\\nRoberto DaMatta. A morte \\xe9 aquilo que faz, para algumas pessoas, a vida ser onipotente. As doen\\xe7as totalit\\xe1rias, sejam de direita ou de esquerda, assim como as cren\\xe7as absolutas, as religi\\xf5es e o racismo, fazem parte de uma tentativa de evitar a morte. Elas atraem as pessoas exatamente porque trazem a ideia de que se voc\\xea morrer o grupo continua e voc\\xea com continua com ele. A morte \\xe9, para alguns de n\\xf3s, que tivemos uma educa\\xe7\\xe3o mais aprimorada sobre seus sentimentos, o fim de uma trajet\\xf3ria bem-sucedida de uma vida que tem um in\\xedcio, um meio do qual voc\\xea n\\xe3o se arrepende, com momentos mais positivos do que negativos, e no fim voc\\xea vai para a terra do esquecimento, como disse Albert Camus, em "O Mito de S\\xedsifo".\\nH\\xe1 quem diga que a experi\\xeancia da morte \\xe9 t\\xe3o maravilhosa que Deus teria escondido isso porque se n\\xe3o todo mundo sairia se suicidando por a\\xed. O que voc\\xea acha?\\xa0Legal. N\\xe3o tenho como discutir sobre isso. O que eu sei \\xe9 que a morte n\\xe3o \\xe9 uma experi\\xeancia social, voc\\xea n\\xe3o \\xe9 capaz de dividir isso com os outros. Ela \\xe9 imposs\\xedvel de compreender. Se \\xe9 que Deus existe, ele foi muito misericordioso conosco: voc\\xea sabe que todos vamos morrer, mas n\\xe3o sabe o dia. Se soub\\xe9ssemos, a absurdidade seria maior ainda. Uns comeriam muito, outros v\\xe3o fazer muito sexo. Eu tenho uma ideia firme de como \\xe9, porque j\\xe1 fui anestesiado. Quando o cara colocou a m\\xe1scara no meu nariz, eu fui sugado e a minha consci\\xeancia sumiu. Por uma fra\\xe7\\xe3o de segundo eu pensei: a morte \\xe9 boa.\\nAos 85 anos, tendo passado boa parte da vida estudando a humanidade, o que est\\xe1 acontecendo agora com essa exacerba\\xe7\\xe3o do digital, em que as pessoas n\\xe3o conseguem acordar sem olhar no celular?\\xa0\\xc9 uma nova p\\xe1gina que viramos. S\\xf3 vai aumentar. \\xc9 poss\\xedvel que daqui a vinte anos n\\xe3o falemos mais em intoxica\\xe7\\xe3o, mas hoje essa patologia \\xe9 real, vejo isso com os meus netos. Por outro lado, o que est\\xe1 acontecendo? N\\xf3s estamos nos falando, estamos compartilhando experi\\xeancias de uma forma muito concreta. O problema n\\xe3o \\xe9 desintoxicar digitalmente, \\xe9 o mundo que est\\xe1 doente no sentido de que estamos chegando a conclus\\xe3o de que ele n\\xe3o \\xe9 inesgot\\xe1vel. Tudo passa, todo filme tem seu fim, o que n\\xe3o pode passar \\xe9 o cinema, o edif\\xedcio. Se o meio acabar, a mensagem acaba. Se acabar a mensagem \\xe9 o fim do homem. A humanidade se acaba no dia em que a gente n\\xe3o pode mais se comunicar, saber um do outro. O pior que pode acontece com uma comunidade \\xe9 a falta de comunica\\xe7\\xe3o, mas o excesso dela, por outro lado, \\xe9 o fuxico, \\xe9 aquilo que ningu\\xe9m aguenta. \\xc9 o que acontece com o Brasil com essa pessoa que nos dirige.'