Pedro Sirotsky: Doei todas as minhas gravatas

Published: May 7, 2021, 11 p.m.

b'Depois de quarenta anos preso à vida de escritório, o ex-executivo persegue sonhos perdidos, se volta para música e lança documentário\\n \\n Uma vida com grana, mas incompleta. Foi assim que Pedro Sirotsky passou seus dias desde que foi persuadido pelo pai a largar, aos 22 anos, o cargo de apresentador e a condi\\xe7\\xe3o de popstar. Na \\xe9poca, ele tocava o programa Transasom, exibido no r\\xe1dio e TV do Grupo RBS, afiliada da Globo no sul do pa\\xeds. Com Rolling Stones e Beatles na playlist, o ent\\xe3o garoto estourou, chegando a receber tr\\xeas mil cartas por semana. N\\xe3o faltaram festas da turma do \\u201csexo, drogas e rock and roll\\u201d, como define.\\nMas a cobran\\xe7a de um vida mais regrada veio, Sirotsky trocou a farra pelas gravatas (chegou a colecionar 200 modelos) e mergulhou no mundo empresarial: \\u201cLevantava do quarto de hotel \\xe0 noite e batia a cabe\\xe7a na parede porque esquecia onde estava.\\u201d E assim passaram mais de quarenta at\\xe9 finalmente voltar \\xe0s artes com Mr. Dreamer, um docudrama que leva Pedro at\\xe9 Dublin, onde divide experi\\xeancias de vida com uma nova gera\\xe7\\xe3o de m\\xfasicos, em cartaz na Globoplay a partir de 14 de maio.\\nPedro Sirotsky conversou com a Trip FM e explicou por que decidiu largar tudo aos 64 anos, falou sobre a rela\\xe7\\xe3o com o pai, que o tirou da trajet\\xf3ria que havia escolhido, e lembrou hist\\xf3rias do mundo corporativo. Ou\\xe7a o programa no Spotify, no play abaixo ou leia um trecho da entrevista a seguir.\\n[AUDIO=https://p.audio.uol.com.br/trip/2021/5/TripFM_pedro_Siro_podcast_02.mp3; IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/05/60955df67a946/trip-pedro-sirotsky-mh3.jpg]\\nLEIA TAMB\\xc9M: "A sorte n\\xe3o moral ou \\xe9tica", diz Nelson Motta\\nTrip. Quem n\\xe3o \\xe9 da regi\\xe3o sul n\\xe3o conhece tanto, mas qualquer pessoa com mais de 45 anos que seja de l\\xe1 vai lembrar do programa Transassom. Na \\xe9poca era um grande privil\\xe9gio ter acesso ao r\\xe1dio e \\xe0 televis\\xe3o. Como \\xe9 que foi participar disso numa idade t\\xe3o jovem?\\xa0Eu era um moleque de dezessete anos que tinha come\\xe7ado a trabalhar aos dezesseis na r\\xe1dio. Foi quando veio a possibilidade de apresentar um programa, o Transassom, na R\\xe1dio Ga\\xfacha. Pouco tempo depois fui convidado para fazer uma vers\\xe3o do S\\xe1bado Som, da TV Globo, apresentado por Nelson Motta. A\\xed eu peguei o acervo que j\\xe1 existia e resolvi dar a minha pitada. Eu era um roqueiro ascendente, digamos assim. Nunca fui m\\xfasico, nunca toquei, nunca cantei, mas sempre amei a m\\xfasica. Comecei a fazer do meu jeito. E o patrocinador do programa Transassom sugeriu que unific\\xe1ssemos a marca. E a\\xed ent\\xe3o surgiu o Transassom na televis\\xe3o, aos s\\xe1bados, \\xe0s duas da tarde. Imaginem isso na sociedade conservadora do Rio Grande do Sul, na d\\xe9cada de 70. Chega l\\xe1 um menino, com v\\xednculos familiares, porque eu perten\\xe7o \\xe0 fam\\xedlia fundadora do Grupo RBS, e d\\xe1 um choque anafil\\xe1tico em uma programa\\xe7\\xe3o muito conservadora, com os Rolling Stones e Beatles. Comecei a sentir a repercuss\\xe3o atrav\\xe9s de cartas. Recebia tr\\xeas mil cartas por semana.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/05/60955e51aa0a1/trip-pedro-sirotsky-mh2.jpg; CREDITS=Divulga\\xe7\\xe3o; LEGEND=O document\\xe1rio Mr Dreamer fala sobre como uma trajet\\xf3ria perdida pode doer; ALT_TEXT=Pedro Sai do Carro Deixa a Porta Aberta Caminha na Areia Praia Mar]\\nComo foi o momento em que seu pai falou para parar com a brincadeira? Voc\\xea est\\xe1 em uma trajet\\xf3ria e de repente vem o chefe e d\\xe1 uma trancada na hist\\xf3ria. Como \\xe9 que foi esse momento?\\xa0Quando voc\\xea estava me perguntando isso, me veio uma imagem na cabe\\xe7a que \\xe9 mais ou menos assim: \\xe9 como se estivesse ali, de copiloto, dentro de um grande avi\\xe3o com meu pai. Ent\\xe3o ele desliga o motor e me passa o comando. Foi muito dif\\xedcil. Eu n\\xe3o tinha maturidade. \\xc9 meio paradoxal porque eu j\\xe1 estava h\\xe1 cinco anos no ar. Eu tenho filhos e a gente tem um v\\xedcio natural, que n\\xe3o \\xe9 mal-intencionado, de querer colocar os nossos sonhos na cabe\\xe7a dos filhos. Cada um tem o direito de seguir o seu caminho. Foi uma interfer\\xeancia natural de um pai poderoso, de um pai forte. Eu tive que concordar com ele. E quero deixar bem claro que foi uma outra etapa da minha vida que n\\xe3o foi ruim, n\\xe3o foi dif\\xedcil, n\\xe3o foi triste e n\\xe3o foi infeliz. Ela foi cheia de novas descobertas e de aprendizado.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/05/60955eb8485fb/trip-pedro-sirotsky-mh4.jpg; CREDITS=Divulga\\xe7\\xe3o; LEGEND=Mr Dreamer; ALT_TEXT=Pedro Caminhando Areia Praia Cachorro]\\nLEIA TAMB\\xc9M: "Sou um realizador dos meus sonhos", diz Tito Rosemberg\\nExiste um conceito da psican\\xe1lise\\xa0de que n\\xe3o se pode comparar sofrimento. Na minha experi\\xeancia, pelo menos alguns dos relatos mais dram\\xe1ticos, s\\xe3o de herdeiros que se sentem aprisionados nas hist\\xf3rias de seus pais. O document\\xe1rio Mr. Dreamer fala sobre como uma trajet\\xf3ria perdida pode doer. Queria que voc\\xea falasse um pouco mais desse sentimento de n\\xe3o estar fazendo a sua hist\\xf3ria, mas continuando a de algu\\xe9m.\\xa0\\xc9 um motivo de muito orgulho fazer parte da hist\\xf3ria da empresa. Foram anos de muito sucesso. Isso deu muito conforto em rela\\xe7\\xe3o aquele sonho que estava interrompido. Por outro lado, de repente eu me senti no piloto autom\\xe1tico \\u2013 eu digo isso no filme. O mundo corporativo tem essa caracter\\xedstica. Eu tinha uma rotina sem liberdade, de pegar avi\\xe3o todas as semanas. Minha agenda estava lotada com oito meses de anteced\\xeancia de compromissos quase que pol\\xedticos. Quantas vezes eu acordei em um hotel, levantando para ir ao banheiro, e bati a cabe\\xe7a em uma parede porque n\\xe3o lembrava onde estava. E agora eu me pergunto: ser\\xe1 que essa forma de viver n\\xe3o \\xe9 uma das causadoras dessa lament\\xe1vel pandemia? N\\xe3o \\xe9 s\\xf3 uma quest\\xe3o sanit\\xe1ria, \\xe9 sociol\\xf3gica. Eu desejo que o novo mundo n\\xe3o tenha nenhuma caracter\\xedstica do ambiente corporativo atual. As pessoas precisam mudar, precisam entender que aquilo ali tem um lado de resultados, mas tamb\\xe9m tem um lado t\\xf3xico invis\\xedvel.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/05/60955ee6556d7/trip-pedro-sirotsky-mh1.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Pedro Sirotsky e Lica Melzer; ALT_TEXT=Pedro e sua esposa Lica]\\nA impress\\xe3o que d\\xe1 \\xe9 de que voc\\xea estava de alguma maneira antecipando certas vis\\xf5es que est\\xe3o acontecendo hoje. Voc\\xea era uma esp\\xe9cie de ovelha negra, um bicho meio estranho tentando se adequar ao sistema e ao mesmo tempo usando isso para inovar e para criar. Imagino que deva ter tamb\\xe9m produzido algum grau de rejei\\xe7\\xe3o. Era isso mesmo?\\xa0Era isso mesmo. N\\xe3o que eu me considerasse uma ovelha negra, mas inconscientemente me sentia assim. Tenho essa clareza nos dias de hoje, por conta de quase cinquenta anos trabalhando. V\\xe1rias vezes eu devo ter sido percebido como esse rebelde, embora eu n\\xe3o quisesse ser visto assim. Eu tinha uma cole\\xe7\\xe3o de duzentas gravatas. Uma diferente todos os dias \\u2013 isso era parte daquele mundo. Mas tentei v\\xe1rias vezes n\\xe3o usar e era visto como algu\\xe9m que queria ser diferente. Dei todas as minhas gravatas. N\\xe3o tenho mais nenhuma. Onde est\\xe1 escrito que \\xe9 preciso usar uma gravata? Eu n\\xe3o chegava a fazer provoca\\xe7\\xf5es, precisava respeitar o sistema, mas passava as minhas posi\\xe7\\xf5es com clareza.'