Marcello Airoldi: O Brasil pode afundar ainda mais

Published: June 11, 2021, 11 p.m.

b'Dramaturgo fala sobre chegada tardia à televisão, política e o momento do teatro brasileiro\\n \\n Quando estreou na televis\\xe3o no papel do cafajeste Gustavo, na novela da Globo "Viver a Vida", Marcello Airoldi tinha 39 anos. \\u201cAs pessoas perguntavam onde \\xe9 que eu estava antes." A resposta \\xe9 f\\xe1cil: fazendo teatro j\\xe1 h\\xe1 vinte anos. Dif\\xedcil mesmo \\xe9 encontrar Airoldi fora dos palcos; o normal \\xe9 v\\xea-lo equilibrar duas ou tr\\xeas pe\\xe7as simultaneamente. Mesmo na pandemia o dramaturgo correu atr\\xe1s e lan\\xe7ou espet\\xe1culo on-line, al\\xe9m de um canal no YouTube que j\\xe1 teve Cac\\xe1 Carvalho, Renato Borghi e Eriberto Le\\xe3o em leitura de textos cl\\xe1ssicos. "O teatro online est\\xe1 em desenvolvimento e n\\xf3s vamos ficar com ele ainda muito tempo", afirma.\\nUm estudioso das artes, formado na Escola de Arte Dram\\xe1tica da USP, o ator n\\xe3o se furta a pensar a realidade, que invariavelmente acaba retratada com olhar cr\\xedtico em suas obras. Sobre o que o Brasil passa hoje, ele dispara: "Eu acho que ainda tem como piorar; mas vai existir um limite, um ponto m\\xe1ximo que possa gerar uma revolu\\xe7\\xe3o social". \\xa0\\nEm entrevista ao Trip FM, Marcello Airoldi ainda falou sobre envelhecimento e lembrou um teste de elenco desastroso. Ou\\xe7a o programa no Spotify, no play abaixo ou leia um trecho da entrevista a seguir.\\xa0\\n[AUDIO=https://p.audio.uol.com.br/trip/2021/6/Airoldi_podcast.mp3; IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/06/60c3a95094b48/marcello-airoldi-ator-trip-mh.jpg]\\nTrip. Voc\\xea estourou do dia para noite. Veio de uma longa jornada no teatro, mas de repente, aos 39 anos, chega na maior vitrine do pa\\xeds, com a novela "Viver a Vida". Vamos come\\xe7ar com esse momento. Foi um grande marco para voc\\xea?\\nMarcello Airoldi. Eu costumo dizer que cheguei na televis\\xe3o velho. Tem muitos atores que come\\xe7am a carreira cedo nas novelas. Tinha muita gente que me perguntava onde eu estava. Como assim? Eu estava fazendo teatro, tocando o departamento de cultura da minha cidade Natal, Barueri. Escrevendo. Muita gente, inclusive da pr\\xf3pria fam\\xedlia, passa a considerar voc\\xea como artista s\\xf3 depois que voc\\xea faz uma novela. \\xc9 engra\\xe7ado. Eu n\\xe3o procurei televis\\xe3o na minha forma\\xe7\\xe3o. Meu objetivo sempre foi o teatro: queria dirigir, escrever. Tudo isso n\\xe3o \\xe9 t\\xe3o f\\xe1cil na televis\\xe3o. Por esse motivo eu cheguei muito tarde, mas cheguei pela porta da frente. Talvez at\\xe9 por ser coroa. Eu comecei algumas coisas muito tarde, meu primeiro filho nasceu quando eu tinha 43 anos.\\nNa \\xe9poca da novela, em entrevista, voc\\xea fala uma coisa que naquele tempo era normal, mas talvez hoje n\\xe3o ca\\xedsse bem. Se referindo ao seu personagem, diz que mulher gosta mesmo \\xe9 de homem cafajeste. Como voc\\xea v\\xea isso hoje?\\xa0A gente n\\xe3o pode falar tudo o que quer, do jeito que quer. Corremos o risco de invadir uma seara que voc\\xea n\\xe3o conhece e a\\xed se torna apenas um palpiteiro. Hoje eu jamais falaria essa frase do cafajeste. A nossa rela\\xe7\\xe3o com a forma\\xe7\\xe3o social do machismo ficou mais clara, mudou a medida em que a gente tem mais acesso a informa\\xe7\\xe3o e que come\\xe7a a discutir com pessoas que conhecem. O meu personagem era muito ruim: tra\\xeda a mulher, era de fato um cafajeste, mas o n\\xfacleo c\\xf4mico que ele fazia parte acabava aliviando essas caracter\\xedsticas.\\nOlhando qualquer indicador, estamos em um momento muito ruim. Piorando \\xedndices que j\\xe1 eram p\\xe9ssimos. Voc\\xea acha que a gente d\\xe1 uma virada nesse jogo ou ainda afunda mais nesse po\\xe7o?\\xa0Eu acho que n\\xf3s temos o risco de afundar mais. N\\xf3s precisamos enxergar que uma gera\\xe7\\xe3o pode ir mudando outra. N\\xf3s t\\xednhamos conseguido, de alguma forma, dialogar um pouco melhor com racismo e homofobia, em algum momento do Brasil. Come\\xe7ou a gerar um inc\\xf4modo aquela voz preconceituosa no caminho que o mundo come\\xe7ou a tomar. Agora temos pessoas vociferando esses absurdos novamente, dando apoio ao que j\\xe1 vinha se extinguindo. Meus filhos precisam estar em uma escola legal, com pensamento progressista. S\\xe3o coisas que levam tempo. Esse buraco que a gente entrou vai dar condi\\xe7\\xf5es para que a gente consiga sair dessa situa\\xe7\\xe3o: as pessoas v\\xe3o ter que mudar, caso contr\\xe1rio v\\xe3o morrer. Tem um limite que vir\\xe1 com uma poss\\xedvel revolu\\xe7\\xe3o social\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/06/60c3a96b79a43/marcello-airoldi-ator-trip-mq.jpg; CREDITS=; LEGEND=; ALT_TEXT=]'