Maestro Julio Medaglia: A musica e a matematica das artes

Published: Feb. 19, 2021, 11 p.m.

b'Um dos artistas mais versáteis da música brasileira, ele fala sobre sua vida nômade, a profissão de maestro e a falta de incentivo à cultura\\n \\n "A m\\xfasica \\xe9 a mais racional das artes", diz o maestro J\\xfalio Medaglia. \\u201cNa pintura existe mais subjetividade. O cara tira ou p\\xf5e um pouco de amarelo, apaga ali, e pode ficar bonito e dar prazer. Mas na m\\xfasica, n\\xe3o. Se voc\\xea colocar um oitavo de segundo depois j\\xe1 desarma com o esquema\\u201d. Fundador da Amazonas Filarm\\xf4nica, o maestro regeu as orquestras mais importantes do Brasil e da Alemanha e foi aluno de Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, John Barbirolli e Hans-Joachim Koellreutter\\nSurfando com versatilidade na m\\xfasica, al\\xe9m do seu lado erudito, colaborou para uma das obras-primas da m\\xfasica popular brasileira, assinando os arranjos de Tropic\\xe1lia, can\\xe7\\xe3o de Caetano Veloso que marcou o in\\xedcio do movimento tropicalista. Eram tempos, lembra o\\xa0maestro, em que as r\\xe1dios reproduziam m\\xfasicas que n\\xe3o pertenciam ao circuito comercial e a televis\\xe3o abria espa\\xe7o para a m\\xfasica erudita.\\xa0Fora do universo musical, o maestro J\\xfalio Medaglia escreveu mais de 500 artigos e 5 livros, o que o levou a ocupar a cadeira n\\xfamero tr\\xeas na Academia Paulista de Letras, que j\\xe1 pertenceu a M\\xe1rio de Andrade. \\u201cEu me encantei muito com o poder sem\\xe2ntico da palavra. A palavra \\xe9 feiticeira, \\xe9 uma bomba\\u201d, conta.\\xa0\\nAos 82 anos, ele \\xe9 respons\\xe1vel pelo programa Prel\\xfadio, concurso musical para instrumentalistas da TV Cultura que recebeu o pr\\xeamio de melhor projeto cultural da TV brasileira. O maestro bateu um papo com a Trip sobre m\\xfasica erudita e popular, a solid\\xe3o dos artistas e a falta de incentivo \\xe0 cultura no Brasil.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/02/602fe67515e55/maestro-julio-medaglia-cultura.jpg; CREDITS=Creative Commons; LEGEND=]\\nTrip. A gente admira muito as pessoas que surfam, que conseguem obter prazer e ao mesmo tempo influenciar as mais diferentes praias. Voc\\xea se mudou para Salvador muito jovem, depois foi para a Alemanha, para a Amaz\\xf4nia, para Bras\\xedlia, navegando em mundos musicais muito distintos. Um dia voc\\xea est\\xe1 fazendo trilha de cinema, preparando um especial da Globo, no outro est\\xe1 escrevendo um livro ou regendo uma orquestra para milhares de pessoas no meio da rua. Essa mobilidade intelectual \\xe9 fascinante.\\xa0De onde vem essa inquietude?\\nMaestro\\xa0J\\xfalio Medaglia.\\xa0A minha alian\\xe7a com a m\\xfasica foi acidental. Na minha fam\\xedlia ningu\\xe9m \\xe9 m\\xfasico. Meu pai vendia pe\\xe7as de autom\\xf3vel importadas, minha m\\xe3e era costureira da alta sociedade de S\\xe3o Paulo e minha irm\\xe3 trabalhava numa empresa qu\\xedmica. Mas um dia apareceu uma empregada l\\xe1 em casa, que morava no interior de Minas, e na mochila ela trouxe um pequeno violino, para crian\\xe7a. Eu passei a brincar com aquele instrumento e, certo dia, numa corda s\\xf3, eu consegui tocar Noite Feliz e comecei a me encantar com aquela sonoridade. A minha m\\xe3e se deu conta que tinha uma prima de segundo grau que tocara violino e ela come\\xe7ou a me dar aulas. E comecei a tocar com orquestras amadoras, at\\xe9 que me encontrei com professor alem\\xe3o Koellreutter, que morava em S\\xe3o Paulo. Ele iluminava nossa mente com ideias, filosofias, exposi\\xe7\\xf5es, provoca\\xe7\\xf5es culturais, e eu comecei a me encantar n\\xe3o s\\xf3 com a m\\xfasica, mas com todo aquele arcabou\\xe7o cultural gigantesco. Na realidade a m\\xfasica \\xe9 fruto de um monte de coisas sociais, pol\\xedticas, \\xe9tnicas e \\xe9ticas e, com isso, eu fui me interessando por outros campos dentro do universo sonoro e cultural. Consegui uma boa bolsa de estudos do governo alem\\xe3o e me formei na Universidade de Friburgo como regente sinf\\xf4nico, mas o Brasil me chamava.\\nNaquela segunda metade da d\\xe9cada de 60 tinha a bossa nova, os festivais na TV Record, que eram verdadeiras loucuras em termos de gera\\xe7\\xe3o de uma nova turma para a m\\xfasica brasileira de primeira qualidade. Nessa \\xe9poca comecei a estudar e a escrever tamb\\xe9m as trilhas sonoras para pe\\xe7as de teatro. E a\\xed quando eu fiz uma para Cacilda Becker e Walmor Chagas, uma pe\\xe7a de teatro chamada \\u201cIsso devia ser proibido\\u201d, tinha l\\xe1 um baiano que tinha chegado de Salvador e me pediu para fazer um arranjo da m\\xfasica dele, que \\u201ctalvez v\\xe1 se chamar Tropic\\xe1lia\\u201d. A\\xed nascia a minha rela\\xe7\\xe3o com o Caetano [Veloso]. O arranjo acabou propondo uma s\\xe9rie de novas solu\\xe7\\xf5es, de falas no meio, ru\\xeddos de p\\xe1ssaros e assim foi.\\nEu fui ampliando o meu universo de relacionamentos e de atividades tamb\\xe9m. Comecei a escrever no jornal O Estado de S. Paulo, escrevi uma hist\\xf3ria da bossa nova e a hist\\xf3ria da m\\xfasica do s\\xe9culo XX. Eu me encantei muito com o poder sem\\xe2ntico da palavra. A palavra \\xe9 feiticeira, \\xe9 uma bomba.\\xa0Abrindo meu leque de op\\xe7\\xf5es culturais e fui parar nos Estados Unidos a convite do Conservat\\xf3rio de Boston, criei uma orquestra no teatro maravilhoso que existe em Manaus,\\xa0fui convidado para dirigir o Theatro Municipal em S\\xe3o Paulo, no Rio de Janeiro e no Teatro Nacional, em Bras\\xedlia. Fui me deslocando de uma cidade para outra, de um universo para outro, mas sempre mantendo esse esp\\xedrito de n\\xe3o s\\xf3 fazer m\\xfasica, mas ser o animador cultural, porque no Brasil precisa ter essa fun\\xe7\\xe3o educativa. Eu espero ter cumprido alguma coisa nesse sentido.\\nEssa vida n\\xf4made que voc\\xea acaba de relatar, riqu\\xedssima do ponto de vista profissional e cultural, muitas vezes gera certas disfun\\xe7\\xf5es na vida pessoal. Ela foi atrapalhada por essa riqueza profissional?\\xa0No fundo o artista \\xe9 um grande solit\\xe1rio. Voc\\xea est\\xe1 regendo um grande concerto, na grande sala, com uma grande orquestra e, quando acaba, voc\\xea vai para o hotel e fica sozinho, quietinho l\\xe1 assistindo televis\\xe3o. A\\xed o t\\xe1xi te leva, voc\\xea est\\xe1 outra vez sozinho, em outro hotel do mundo. Existe esse conflito entre a solid\\xe3o e a coletividade, mas isso faz parte da coisa. Minha mulher \\xe9 alem\\xe3, eu casei na Alemanha e ela veio para o Brasil. Eu tive a sorte de ter uma pessoa que compreendesse essa vida n\\xf4made e isso nunca atrapalhou, felizmente, nosso relacionamento. Eu estou o tempo todo viajando, mas isso faz parte da vida do artista. O artista que tem que estar onde o povo est\\xe1, como diz o velho Milton Nascimento.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/02/602fe683a65d6/trip-fm-podcast-radio-maestro-julio-medaglia.jpg; CREDITS=Creative Commons; LEGEND=]\\nQuem \\xe9 leigo tem uma no\\xe7\\xe3o, v\\xea a figura do maestro cuidando da harmonia ali, daquele grupo de m\\xfasica. Mas como \\xe9 que uma pessoa resolve ser maestro? O que \\xe9 ser maestro?\\xa0O maestro, com os dedos e sua energia pessoal, transfere a t\\xe9cnica e a emo\\xe7\\xe3o que ele tem na mente. A dificuldade maior \\xe9 passar suas ideias, a sua emo\\xe7\\xe3o e sua concep\\xe7\\xe3o art\\xedstica para 80 pessoas. Exige um bom tempo de estudo, de trabalho e amadurecimento para voc\\xea se relacionar com essa comunidade, essa grande empresa chamada orquestra. Voc\\xea est\\xe1 \\xe0 frente de um time de primeira, se voc\\xea vacilar est\\xe1 perdido. A reg\\xeancia \\xe9 aquela que exige o maior n\\xfamero de mat\\xe9rias, harmonia, contraponto, fuga. E conhecer muito bem todos os instrumentos, sen\\xe3o voc\\xea n\\xe3o pode chegar para um flautista e dizer: \\u201cFa\\xe7a isso\\u201d. Depois do dom\\xednio deste gigantesco arcabou\\xe7o t\\xe9cnico, a\\xed come\\xe7a um relacionamento com a parte art\\xedstica, cultural da m\\xfasica. Depois o seu relacionamento como o l\\xedder de uma comunidade, porque voc\\xea tem que passar atrav\\xe9s de um gesto de m\\xe3o, \\xe0s vezes muito simples, toda a concep\\xe7\\xe3o de uma grande sinfonia. Ent\\xe3o de fato \\xe9 uma profiss\\xe3o complicada, exige muito esfor\\xe7o, conhecimento e talento.\\xa0\\nO que a gente mais ouve s\\xe3o queixas da falta de reconhecimento, da falta de estrutura, da falta de condi\\xe7\\xe3o para trabalhar nessa \\xe1rea. Nesse momento ent\\xe3o, nem se fala.\\xa0Maestro ganha dinheiro ou s\\xe3o s\\xf3 dois ou tr\\xeas e o resto fica na pinda\\xedba?\\xa0A sele\\xe7\\xe3o \\xe9 mesmo muito rigorosa, mesmos nos pa\\xedses do mundo que t\\xeam muita atividade orquestral. Existem maestros que s\\xe3o muito bons, mas falta um pouco de talento para determinadas coisas e n\\xe3o chegam a ocupar cargos importantes. Mas a\\xed ele presta servi\\xe7o de outra maneira: cria orquestras jovens, prepara novas gera\\xe7\\xf5es ou ent\\xe3o vai dar aula de reg\\xeancia. Na Alemanha tem 80 casas de \\xf3pera e cada uma delas troca a \\xf3pera toda noite, como o projecionista do cinema troca a bobina do filme. No Brasil existem muito poucas orquestras, as excelentes s\\xe3o s\\xf3 tr\\xeas ou quatro. Ent\\xe3o de fato \\xe9 muito complicado profissionalmente sobreviver com essa profiss\\xe3o. Tive a sorte de encontrar um caminho e poder dirigir algumas boas orquestras do pa\\xeds. N\\xe3o posso me queixar.\\nTem uma entrevista sua ao saudoso Abujamra em que voc\\xea fala que a m\\xfasica \\xe9 uma ci\\xeancia exata. Tem at\\xe9 uma frase que \\xe9: \\u201cA m\\xfasica \\xe9 alma da geometria\\u201d, algu\\xe9m disse isso. E voc\\xea descreve uma partitura como sendo equa\\xe7\\xf5es, aquelas que tem milh\\xf5es de sinais, n\\xfameros e algarismos. Me explica um pouco esse aspecto da sua vis\\xe3o sobre a m\\xfasica.\\xa0A m\\xfasica \\xe9 a mais matem\\xe1tica das artes. Quando voc\\xea imagina uma orquestra tocando, eu fa\\xe7o \\u2018p\\xe1\\u2019 e nesse acorde, que durou um oitavo de segundo, vinte m\\xfasicos fizeram juntos. Como \\xe9 que eles fizeram juntos? Eles t\\xeam uma sensibilidade para aquela geometria musical montada que faz com que, quando o maestro faz um sinal, eles saibam onde entrar. Mas no \\u2018p\\xe1\\u2019 teve um trompete que tocava um \'L\\xe1\', este \'L\\xe1\' tinha 444 vibra\\xe7\\xf5es, porque se tiver 400 vibra\\xe7\\xf5es j\\xe1 desafina. A pr\\xf3pria forma\\xe7\\xe3o da orquestra, como os m\\xfasicos se entrela\\xe7am, cada um jogando com seu c\\xf3digo matem\\xe1tico na frente, quer dizer, ela \\xe9 a mais racional das artes. Se voc\\xea ver as obras de Bach, tem todo um relacionamento ac\\xfastico, mel\\xf3dico, harm\\xf4nico e r\\xedtmico, que \\xe9 um projeto de uma arquitetura, uma arquitetura sonora complicad\\xedssima. Na pintura existe mais subjetividade. O cara tira ou p\\xf5e um pouco mais de amarelo ali, um vermelhinho ali, apaga aquilo ali e pode ficar bonito e dar prazer. Mas na m\\xfasica, n\\xe3o. Se voc\\xea colocar um oitavo de segundo depois j\\xe1 desarma com o esquema. Ent\\xe3o toda a orquestra funcionando \\xe9 um grande computador que provoca emo\\xe7\\xf5es.\\xa0\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/02/602fe691a8454/julio-medaglia-maestro.jpg; CREDITS=Creative Commons; LEGEND=]\\nVoc\\xea trabalhou com Caetano Veloso, Jards Macal\\xe9 e outros artistas populares de alta qualidade. Existem pessoas como voc\\xea, que t\\xeam o privil\\xe9gio, o talento e a condi\\xe7\\xe3o de estudar com os melhores do mundo, mas tem tamb\\xe9m gente que de repente sai tocando ali e tem um outro tipo de talento, faz coisas que tamb\\xe9m mudam o mundo. Onde \\xe9 que est\\xe1 a linha que separa o artista popular que n\\xe3o estudou, mas que \\xe9 capaz de produzir emo\\xe7\\xe3o, e o pessoal que produz porcaria enlatada e que hoje tem facilidade para espalhar isso pelo planeta?\\xa0Na realidade o talento musical \\xe9 uma coisa espont\\xe2nea e vem das profundezas da alma. O Cartola n\\xe3o estudou em nenhuma universidade, ele limpava autom\\xf3vel, morava numa favela, mas desenvolveu essa musicalidade, espontaneamente, sem estudar teoricamente a m\\xfasica. Ent\\xe3o existe a m\\xfasica extremamente elaborada, aquela que voc\\xea faz com orquestra sinf\\xf4nica, em sinfonias, concertos, \\xf3peras, e existe a m\\xfasica espont\\xe2nea, que tem poucos elementos, mas pode ser extremamente rica. O Jobim n\\xe3o fez uma m\\xfasica com uma nota s\\xf3? Se repete 50 vezes a mesma coisa e, quando ouve, o mundo inteiro cai de joelhos. "\\xc1guas de Mar\\xe7o", repete duas notas 50 vezes e o Leonard Feather, que \\xe9 o maior cr\\xedtico de jazz dos EUA, diz que \\xe9 uma das 15 maiores melodias do s\\xe9culo. Existe essa sensibilidade, esse talento feiticeiro que alguns tem \\u2013 o Jobim tem, que Mozart tem, que o Cartola tem. Ser popular n\\xe3o quer dizer ser inferior \\xe0 m\\xfasica erudita. Agora, evidentemente, tanto na \\xe1rea da m\\xfasica sinf\\xf4nica, super elaborada, como na da m\\xfasica espont\\xe2nea, tem muita porcaria. Tem muita gente que tem conhecimento t\\xe9cnico que faz porcaria. Tem gente que n\\xe3o tem conhecimento t\\xe9cnico nenhum e faz j\\xf3ias como essas.\\nEu j\\xe1 vi voc\\xea falando que a televis\\xe3o n\\xe3o p\\xf5e mais m\\xfasica e que a r\\xe1dio est\\xe1 a servi\\xe7o dessa ind\\xfastria que voc\\xea qualifica como "essas porcarias enlatadas". Por outro lado, voc\\xea v\\xea a distribui\\xe7\\xe3o da m\\xfasica facilitada hoje por plataformas digitais. Quer dizer, o artista que tem alguma coisa para mostrar n\\xe3o precisa bater na porta de uma gravadora ou da r\\xe1dio. Por que \\xe9 que a televis\\xe3o se divorciou da m\\xfasica? A gente est\\xe1 melhor ou pior na nossa capacidade de dar acesso ao talento?\\xa0Infelizmente a boa m\\xfasica saiu da televis\\xe3o. Nos \\xe1ureos tempos, a m\\xfasica era mais da metade da programa\\xe7\\xe3o. Grandes nomes da m\\xfasica brasileira que n\\xf3s temos at\\xe9 hoje em nossos cora\\xe7\\xf5es vieram do r\\xe1dio e da televis\\xe3o. Dos anos 70 ou 80 em diante o artista ia bater na porta das gravadoras e, depois de algum tempo, as gravadoras come\\xe7aram a pagar para p\\xf4r no ar a m\\xfasica. E as televis\\xf5es aceitavam isso, davam nota fiscal, assim como p\\xf5e uma garrafa de Coca-Cola no ar numa novela. Pode ser uma m\\xfasica maravilhosa, pode ser uma porcaria, voc\\xea paga vai para o ar. Ent\\xe3o a boa m\\xfasica desapareceu do r\\xe1dio e da televis\\xe3o, e perdeu esse aspecto de revela\\xe7\\xe3o da musicalidade espont\\xe2nea do povo brasileiro, que \\xe9 riqu\\xedssima. N\\xf3s fizemos a melhor m\\xfasica popular do mundo durante muito tempo. Essa m\\xfasica ainda existe. O pr\\xf3prio Macal\\xe9, que voc\\xea citou, mas voc\\xea n\\xe3o v\\xea esse pessoal no r\\xe1dio. O pr\\xf3prio Caetano, o Gil, que s\\xe3o os mais famosos compositores da atualidade, eu n\\xe3o vejo esse pessoal na TV Globo, na Record.\\xa0A ind\\xfastria da comunica\\xe7\\xe3o transformou a m\\xfasica popular num objeto mercadol\\xf3gico muito r\\xe1pido, muito \\xe1gil e muito veloz \\u2013 para vender logo e o cara comprar, gostar, depois jogar fora e comprar outro. Nesse sentido, a m\\xfasica popular brasileira est\\xe1 submersa num mar de mediocridade, infelizmente.\\nA Osesp, Orquestra Sinf\\xf4nica do Estado de S\\xe3o Paulo, tem a Sala S\\xe3o Paulo como uma esp\\xe9cie de templo, e os assinantes, uma esp\\xe9cie de s\\xf3cios, pagam para ter acesso \\xe0queles concertos semanais. E tamb\\xe9m h\\xe1 iniciativas como a Orquestra de Heli\\xf3polis, numa comunidade de periferia. Essa m\\xfasica, da qual o senhor \\xe9 um dos grandes pilares aqui do Brasil, est\\xe1 a servi\\xe7o da democratiza\\xe7\\xe3o? Ela vive ainda desses feudos de maraj\\xe1s que se re\\xfanem em salas exclusivas? Qual \\xe9 a da m\\xfasica erudita?\\xa0O que tem acontecido de muito bom no Brasil ultimamente \\xe9 que v\\xe1rias empresas est\\xe3o se dando conta que elas t\\xeam que ter um relacionamento com a sociedade. H\\xe1 inclusive leis que facilitam isso no Brasil, al\\xe9m da Lei Rouanet. Agora o governo est\\xe1 querendo acabar com ela, e \\xe9 uma sacanagem. A Lei Rouanet recebe 0,4% dos bilh\\xf5es que o governo d\\xe1 para companhias de autom\\xf3veis, para empresas que fazem outros produtos, e est\\xe3o querendo acabar com esse m\\xednimo, como se artista fosse bandido ou n\\xe3o soubesse como usar o dinheiro. Nos Estados Unidos n\\xe3o precisa de incentivo fiscal, porque o norte-americano se deu conta que investir em projetos culturais valoriza a sua marca ou empresa. Ent\\xe3o a coisa virou ao contr\\xe1rio: hoje, o cara que n\\xe3o se relaciona com a comunidade em projetos dessa natureza est\\xe1 por fora e \\xe9 discriminado na sociedade. Esse caso voc\\xea citou de Heli\\xf3polis \\xe9 maravilhoso. Come\\xe7ou com o padre Bacacheri ensinando crian\\xe7as, a Votorantim colocou dinheiro, a Petrobr\\xe1s tamb\\xe9m, e criou-se uma orquestra sinf\\xf4nica maravilhosa, feita pelos filhos dos meninos da favela, que foram para a Alemanha tocar na cidade onde nasceu o Beethoven e povo aplaudiu de p\\xe9. Ou seja, a m\\xfasica salvou a crian\\xe7ada da droga que existia na regi\\xe3o. Ent\\xe3o existe esse poderio feiticeiro, positivo da m\\xfasica, pelo qual algumas empresas agora est\\xe3o interessadas em financiar projetos desse tipo, que usam a m\\xfasica como elemento de inser\\xe7\\xe3o social para jovens de periferia. Isso a m\\xfasica consegue fazer e as empresas que investiram nesses projetos n\\xe3o se arrepender\\xe3o.'