Emicida conversa com Ronaldo Fraga: Amar e essencial

Published: Sept. 10, 2021, 11 p.m.

b'O rapper bate um papo potente com o estilista sobre sua relação com a terra, a história do Brasil, amor, diálogo e resistência\\n \\n Um dos nomes mais importantes do rap nacional, o m\\xfasico e empreendedor\\xa0Emicida \\xe9 uma refer\\xeancia de peso na cultura pop e uma das vozes mais importantes para promover a igualdade racial no pa\\xeds.\\xa0Ele j\\xe1 lan\\xe7ou dois livros infantis e tamb\\xe9m \\xe9 dono da Lab Fantasma, hub de entretenimento que funciona como gravadora, canal de TV, loja de roupas, entre outras tantas iniciativas. Em maio deste ano, Emicida\\xa0lan\\xe7ou uma nova fase do projeto AmarElo, que nasceu como um disco e se transformou em uma a\\xe7\\xe3o multiplataforma que promove discuss\\xf5es sobre transforma\\xe7\\xe3o pessoal, autocuidado e sa\\xfade mental.\\nDe sua casa em S\\xe3o Paulo, Emicida bateu um papo potente com o estilista e amigo Ronaldo Fraga no programa Pr\\xeamio Trip Transformadores, que foi ao ar pela TV Cultura em junho, mas que agora voc\\xea pode curtir tamb\\xe9m em \\xe1udio no Trip FM, dispon\\xedvel no player abaixo ou no Spotify.\\nNa conversa, o cantor fala sobre sua rela\\xe7\\xe3o com a terra, a hist\\xf3ria do Brasil e a import\\xe2ncia do di\\xe1logo na constru\\xe7\\xe3o de um mundo justo e coletivo: "A pergunta que me acompanha em toda a vida \\xe9: onde a gente se encontra e constr\\xf3i uma realidade que seja melhor para todo mundo?"\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Conhe\\xe7a os homenageados do pr\\xeamio Trip Transformadores 20/21\\n[AUDIO=https://p.audio.uol.com.br/trip/2021/9/Emicidapodcast_podcast.mp3; IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/09/613baa8621b54/emicida-ronaldo-fraga-trip-transformadores-mh.jpg]\\nRonaldo Fraga. Em uma entrevista, voc\\xea disse que a sua influ\\xeancia vinha de lugares diferentes. Da igreja evang\\xe9lica, que voc\\xea escutava em casa, ao candombl\\xe9; do universo do hip hop aos repentistas nordestinos. Quando vi isso, eu falei: esse cara \\xe9 o brasileiro, mesti\\xe7o em tudo. E agora, o rapper mais famoso do Brasil se revela um dono de casa, est\\xe1 fazendo yoga, fazendo seu pr\\xf3prio queijo, cuidando da horta. O menino de 15 anos atr\\xe1s entenderia o homem que voc\\xea \\xe9 hoje?\\nEmicida.\\xa0Nesse momento em que estamos vivendo, n\\xe3o \\xe9 s\\xf3 importante, mas urgente que a gente parta do b\\xe1sico. E o b\\xe1sico \\xe9 entender que somos um animal como qualquer outro, e que a gente precisa se relacionar harmonicamente com a terra. Fazer a manuten\\xe7\\xe3o, cuidar dela, tirar meu alimento. Compartilhar sobre isso \\xe9 minha maneira de dizer para as pessoas que h\\xe1 coisas muito simples que constituem nossa exist\\xeancia, e que a gente n\\xe3o pode se desconectar delas. Tem um poema do M\\xe1rio Quintana em que ele fala que tem uma foto dele quando era crian\\xe7a. \\xc0s vezes, quando ele olha nos olhos daquele menino, ele vira o retrato de costas, porque tem medo do que o menino est\\xe1 pensando dele hoje. Eu acho que aquele menino que me olha do retrato teria muita alegria de ver essa possibilidade de ser humano.\\xa0\\nQuando estourou, voc\\xea descortinou para o Brasil a realidade de um lugar que todo mundo sabe que existe, mas todo mundo finge que n\\xe3o. Eu e voc\\xea viemos de bairros pobres, perdemos os pais muito cedo, e o desenho era a nossa forma de nos colocar no mundo. Quando eu vi voc\\xea falando sobre desenho, eu pensei: "Somos da mesma matilha". Mas teve um outro ponto, que a\\xed voc\\xea foi no fundo do cora\\xe7\\xe3o, quando voc\\xea diz que seu mentor intelectual era o mesmo que o meu, que \\xe9 M\\xe1rio de Andrade. Eu acho M\\xe1rio de Andrade uma figura cara ao Brasil que estamos vivendo. Qual face do M\\xe1rio que o coloca como um mentor intelectual para voc\\xea?\\xa0A caracter\\xedstica que mais me fascina no M\\xe1rio de Andrade \\xe9 a busca. \\xc9 at\\xe9 redundante dizer isso hoje, mas a hist\\xf3ria do Brasil que a gente entende como oficial \\xe9 muito violenta, muito agressiva, ela soterrou v\\xe1rias hist\\xf3rias. Acho que o M\\xe1rio se provocou a produzir, a tentar positivar um encontro, e esse encontro \\xe9 uma realidade. Assim como \\xe9 um completo equ\\xedvoco tentar redefinir o Brasil, com toda sua riqueza, pela perspectiva do europeu, a gente tamb\\xe9m n\\xe3o pode tentar refazer essa hist\\xf3ria desconsiderando esse componente. O M\\xe1rio n\\xe3o s\\xf3 sonhou, se arriscou a contar e conhecer o Brasil com as limita\\xe7\\xf5es e as liberdades da \\xe9poca, como tamb\\xe9m se aventurou em tentar construir o Brasil que ele sonhava.\\xa0\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Jacira Roque, m\\xe3e de Emicida, nunca se conformou com a m\\xe1xima de que \\u201cpreto e pobre n\\xe3o tem direito\\u201d\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/09/613baab905ea3/emicida-ronaldo-fraga-trip-transformadores-mh2.jpg; CREDITS=Reprodu\\xe7\\xe3o; LEGEND=Emicida; ALT_TEXT=Emicida]\\nQuintana, M\\xe1rio de Andrade, vamos agora para Clarice Lispector. Ela disse em Descoberta do Mundo que "amar os outros \\xe9 a \\xfanica salva\\xe7\\xe3o que conhe\\xe7o. Ningu\\xe9m estar\\xe1 perdido se der amor em troca". E voc\\xea realizou um projeto que, no futuro, quando formos entender essa \\xe9poca, com certeza ser\\xe1 citado. \\xc9 um projeto que tem amar no pr\\xf3prio nome, o AmarElo. E ele foi desenvolvido justamente em um momento em que o \\xf3dio \\xe9 o prato principal que est\\xe1 sendo servido na mesa dos brasileiros. A gente j\\xe1 sabe que s\\xf3 amar ou falar de amor j\\xe1 \\xe9 um ato de transgress\\xe3o, mas como \\xe9 isso para voc\\xea?\\xa0Eu acho que, em outros tempos da nossa hist\\xf3ria, amar foi importante. Hoje, amar \\xe9 essencial. A gente precisa partir disso se quisermos construir uma ponte. H\\xe1 algum tempo temos sido sequestrados pelo \\xf3dio com frequ\\xeancia. Observando a natureza do Brasil, das decis\\xf5es que acontecem aqui, n\\xe3o houve muito local para o amor florescer. E abrir espa\\xe7o para que isso aconte\\xe7a \\xe9 abrir espa\\xe7o para que nas\\xe7a uma ponte entre eu e voc\\xea.\\xa0 Em geral, colocamos o amor nessa perspectiva individualista, rom\\xe2ntica, afetivo-sexual. O amor \\xe9 colocado nesse lugar onde parece que ele n\\xe3o tem for\\xe7a para construir coisas coletivas, do ponto de vista de uma sociedade. Mas a verdade \\xe9 que o amor \\xe9 a \\xfanica coisa que me faz observar voc\\xea e pensar: "O Ronaldo \\xe9 um ser como eu". \\xc9 o amor de um indiv\\xedduo para outro, de um ser humano para outro. Eu preciso produzir uma sociedade onde a gente ven\\xe7a coletivamente. E isso \\xe9 fazer uma pol\\xedtica que seja pautada no amor. Uma pol\\xedtica p\\xfablica de cuidado coletivo \\xe9 uma fantasia que o amor veste quando ele quer ficar vis\\xedvel ao olho nu. \\xc9 nisso que eu acredito.\\xa0\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/09/613baadb7f178/emicida-ronaldo-fraga-trip-transformadores-mh3.jpg; CREDITS=Reprodu\\xe7\\xe3o; LEGEND=Ronaldo Fraga; ALT_TEXT=Ronaldo Fraga]\\nNunca estivemos t\\xe3o expostos. N\\xe3o tem mais como nos escondermos, ter uma imagem p\\xfablica de um jeito e uma imagem privada de outro. Eu acho que est\\xe1 virando uma coisa s\\xf3 e isso \\xe9 muito bom. Mas vivemos em bolhas, vivemos a cultura do cancelamento e, enquanto na bolha, falamos para os nossos. Como voc\\xea v\\xea isso, de furar as bolhas e estabelecer di\\xe1logo com outras frentes?\\xa0Uma das caracter\\xedsticas mais bacanas que a vida me deu, e isso n\\xe3o \\xe9 uma caracter\\xedstica com a qual eu nasci, eu fui aprendendo, \\xe9 que eu sei com qual pa\\xeds eu sonho, mas eu sei em qual pa\\xeds eu vivo. \\xc9 quase um super poder ser um sonhador e n\\xe3o confundir essas duas coisas. \\xc9 urgente que a gente pare de trocar baldes e resolva a goteira que est\\xe1 no nosso telhado. Porque o que aconteceu \\xe9 que o Brasil encenou concilia\\xe7\\xf5es que ele n\\xe3o produziu realmente nas ruas. A gente se orgulha do desenvolvimento de S\\xe3o Paulo, do desenvolvimento do Sudeste, do desenvolvimento do Brasil, s\\xf3 que o momento, meu mano, \\xe9 de envolvimento. O Brasil n\\xe3o se relaciona com o lugar no qual ele existe. N\\xe3o \\xe9 o momento de a gente se desenvolver, \\xe9 o momento de a gente se envolver com as causas. Porque as quest\\xf5es culturais, as quest\\xf5es pol\\xedticas, embora pare\\xe7am intranspon\\xedveis nesse momento, nem s\\xe3o a pergunta de um milh\\xe3o de d\\xf3lares do nosso tempo. A pergunta de um milh\\xe3o de d\\xf3lares do nosso tempo \\xe9: o que a gente vai fazer com as quest\\xf5es clim\\xe1ticas quando a gente se entender entre n\\xf3s?'