Daniel Kupermann: O criminoso e o heroi as avessas

Published: July 2, 2021, 11 p.m.

b'Por que grandes crimes despertam tanto interesse e se tornam espetáculos midiáticos? O psicanalista explica e comenta o caso Lázaro Barbosa\\n \\n Com a morte de L\\xe1zaro Barbosa nesta \\xfaltima segunda-feira, dia 28, acabou n\\xe3o s\\xf3 a ca\\xe7ada ao assassino que teria matado violentamente cinco pessoas de uma mesma fam\\xedlia no Distrito Federal, mas veio ao fim tamb\\xe9m mais uma novela macabra \\xe0 qual o Brasil se v\\xea sugado sempre que um delito fora do comum ocupa o notici\\xe1rio. Os casos Isabella Nardoni, Eliza Samudio e Suzane von Richthofen s\\xe3o apenas alguns exemplos. "O grande criminoso \\xe9 aquele que faz o que, de alguma forma, no nosso \\xedntimo, a gente tamb\\xe9m deseja fazer, ou seja, agir sem ligar para a lei, para ningu\\xe9m. No fundo ele \\xe9 um grande ego\\xedsta", analisa\\xa0Daniel Kupermann, doutor em Teoria Psicanal\\xedtica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.\\nConsultor da s\\xe9rie sucesso do GNT, "Sess\\xe3o de Terapia", Kupermann ajuda n\\xe3o s\\xf3 a desmistificar algumas quest\\xf5es que foram levantadas durante a megaopera\\xe7\\xe3o policial, como comenta alguns supostos dist\\xfarbios de personalidade de outro personagem muito discutido tamb\\xe9m por suas caracter\\xedsticas peculiares de car\\xe1ter: o presidente da na\\xe7\\xe3o. "Bolsonaro faz parte de um grupo que n\\xe3o tem empatia para qualquer um que seja diferente", diz.\\nEm entrevista ao Trip FM, o psicanalista fala ainda sobre a import\\xe2ncia do humor, brinca com a psique do paulistano e explica os fundamentos deixados por Freud. Ou\\xe7a o programa no Spotify ou leia um trecho da entrevista a seguir.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/07/60df5d905ed31/daniel-kuperman-psicanalista-trip-mh.jpg; CREDITS=; LEGEND="O grande criminoso \\xe9 aquele que faz o que, de alguma forma, no nosso \\xedntimo, a gente tamb\\xe9m deseja fazer, ou seja, agir sem ligar para a lei, para ningu\\xe9m. No fundo ele \\xe9 um grande ego\\xedsta", diz o psicanalista Daniel Kupermann; ALT_TEXT=Daniel Kupermann]\\nTrip. Eu queria que voc\\xea nos ajudasse a observar o fen\\xf4meno desse serial killer brasileiro, o L\\xe1zaro. Existe uma s\\xe9rie de aspectos a serem vistos: desde a compuls\\xe3o por matar at\\xe9 a forma maluca como a sociedade acompanhou isso. Queria que voc\\xea me desse as suas impress\\xf5es.\\nDaniel Kupermann. O que me interessa \\xe9 situar o interesse midi\\xe1tico e das pessoas por esse fato. Freud abordou a quest\\xe3o do grande criminoso. Neste caso, ele \\xe9 algu\\xe9m que matou muita gente e com frieza, que sabe se esconder, o criminoso mais procurado do Brasil at\\xe9 a sua morte, no come\\xe7o da semana. Freud compara o grande criminoso a um ser inacess\\xedvel, como um crian\\xe7a, os felinos ou as belas mulheres, por exemplo. Tem algo de inacess\\xedvel a\\xed. O grande criminoso nos fascina, Hollywood explorou muito essa figura. Lembra de "Sil\\xeancio dos Inocentes"? O grande criminoso \\xe9 aquele que faz o que, de alguma forma, no nosso \\xedntimo, a gente tamb\\xe9m deseja fazer, ou seja, agir sem ligar para a lei, para ningu\\xe9m. No fundo ele \\xe9 um grande ego\\xedsta. D\\xe1 para fazer uma ponte com esse momento, com a pandemia. Ela aumenta esse sentimento de desamparo; \\xe9 diferente quando a morte est\\xe1 na esquina. \\xc9 um momento de muita vulnerabilidade. As pessoas est\\xe3o com medo. A\\xed de repente aparece uma figura que n\\xe3o tem medo de nada, uma figura de grande poder.\\nMuitas vezes o congestionamento em S\\xe3o Paulo \\xe9 causado por pessoas olhando para a desgra\\xe7a do acidente. Me parece que esse reality show do L\\xe1zaro tem a ver com essa nossa vontade de ver um corpo estendido no asfalto.\\xa0Existe um nome para isso, em alem\\xe3o, Schadenfreude, a alegria com a desgra\\xe7a alheia. \\xc9 um fen\\xf4meno t\\xedpico humano, \\xe9 uma alegria velada que existe e est\\xe1 ligada ao fato de que aconteceu com o outro e n\\xe3o conosco. Ela tem uma dimens\\xe3o de reasseguramento. O caso do serial killer eu pensaria que ocupa um lugar do her\\xf3i \\xe0s avessas. Tem algo do grande criminoso que caminha nessa dire\\xe7\\xe3o at\\xe9 o momento em que ele \\xe9 morto, a\\xed sim entra esse aspecto do Schadenfreude: quantos tiros levou, onde est\\xe3o as fotos...\\nVamos mudar o campo, mas falar ainda sobre pessoas que t\\xeam um comportamento dif\\xedcil de entender. A Marta Suplicy, que \\xe9 formada em psicologia, fez um coment\\xe1rio interessante em que tentou diagnosticar quais seriam as patologias do presidente Jair Bolsonaro. Como voc\\xea l\\xea a pessoa que ocupa a presid\\xeancia nesse momento?\\xa0A primeira leitura, n\\xe3o tanto de um psicanalista, \\xe9 de que ele est\\xe1 no lugar errado. Uma pessoa de poder precisa ter um m\\xednimo de decoro e postura, de respeito, pedagogia, uma vez que ele \\xe9 um exemplo. Demora para voc\\xea reverter o mau exemplo \\u2013 quatro anos de mau exemplo. A empatia \\xe9 um termo que voltou \\xe0 moda, que a gente usa na psican\\xe1lise. \\xc9 dif\\xedcil dizer que o presidente n\\xe3o tem empatia porque existe um grupo de pessoas que o apoia. Ele provavelmente tem empatia com esse grupo, mas esse grupo \\xe9 muito segregador, com muito pouca empatia para qualquer coisa que seja diferente. Essa \\xe9 uma caracter\\xedstica dele, de algu\\xe9m avesso a toda e qualquer diferen\\xe7a: homossexuais, negros, nordestinos. Em todo comportamento segregador voc\\xea encontra tra\\xe7os narcisistas muito acentuados. O que eu acho muito ruim, com linhas de pervers\\xe3o, \\xe9 dizer uma coisa e fazer outra: voc\\xea fala nas redes contra vacina\\xe7\\xe3o e para o p\\xfablico maior diz que est\\xe1 procurando vacinas, por exemplo. Existe uma tentativa de se desresponsabilizar daquilo que acontece com o povo brasileiro. O discurso negacionista contra a ci\\xeancia \\xe9 uma maneira de se desresponsabilizar.'