Como ser mae de uma crianca trans no Brasil

Published: Feb. 16, 2024, 11 p.m.

b'Thamirys Nunes, do perfil @minhacriancatrans, compartilha a sua história como mãe da Agatha\\n \\n \\n\\n\\n\\n\\n\\n\\n\\n\\n\\nEm 2019, Thamirys Nunes se viu diante de um dos momentos mais desafiadores de sua vida. Faltavam informa\\xe7\\xf5es na internet para ajud\\xe1-la, mas um feixe de luz surgiu quando se deparou com um artigo cient\\xedfico em ingl\\xeas sobre transexualidade, gentilmente compartilhado por uma amiga. Esse achado revelou-se crucial no acolhimento de sua filha Agatha, que aos 4 anos se entendia uma menina. Ap\\xf3s um per\\xedodo permeado por tristeza, d\\xfavidas e ang\\xfastias, Thamirys decidiu se tornar a refer\\xeancia que n\\xe3o encontrou no processo de transi\\xe7\\xe3o da filha. Com o livro "Minha Crian\\xe7a Trans?", ela compartilhou sua jornada para servir como inspira\\xe7\\xe3o e oferecer apoio \\xe0s m\\xe3es que enfrentam desafios semelhantes.\\nAl\\xe9m de escritora, Thamirys se tornou uma ativista dedicada, coordenando organiza\\xe7\\xf5es n\\xe3o governamentais voltadas para a defesa dos direitos das crian\\xe7as e a promo\\xe7\\xe3o de pol\\xedticas p\\xfablicas. Em uma conversa franca com o Trip FM, ela compartilhou detalhes de sua hist\\xf3ria e tamb\\xe9m falou sobre preconceito, solid\\xe3o e educa\\xe7\\xe3o.\\n"A m\\xe3e do menino podia sonhar com muita coisa nessa vida. Para acontecer algo com um menino branco de classe m\\xe9dia precisaria ser uma fatalidade. O c\\xe9u era o limite. J\\xe1 a minha filha tem uma expectativa de vida de 35 anos, porque as mulheres trans s\\xe3o assassinadas com requinte de crueldade no Brasil. Eu s\\xf3 quero que ela volte viva", conta ela, em um relato tocante que destaca n\\xe3o apenas sua jornada pessoal, mas tamb\\xe9m lan\\xe7a luz sobre quest\\xf5es de inclus\\xe3o e defesa dos direitos trans e das crian\\xe7as.\\xa0\\nA entrevista completa com Thamirys est\\xe1 dispon\\xedvel aqui no site da Trip e no Spotify.\\n\\n\\n\\n\\n\\n\\n\\n\\n\\n\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2024/02/65cfa1e6ccd37/thamirys-nunes-tripfm-mh.jpg; CREDITS=Layla Motta (@laylamotta); LEGEND=Thamirys Nunes; ALT_TEXT=Thamirys Nunes]\\nTrip.\\xa0Como foi para voc\\xea quando percebeu que, logo aos dois anos, seu filho j\\xe1 n\\xe3o se encaixava nos padr\\xf5es normativos do universo masculino?\\xa0\\nA gente tinha conviv\\xeancia com outros meninos da mesma idade nessa \\xe9poca e ele n\\xe3o respondia aos mesmos est\\xedmulos da mesma forma. Muito pelo contr\\xe1rio, se interessava pelas roupas e brinquedos tipicamente femininos. Isso me gerou uma ang\\xfastia. Procuramos uma profissional da sa\\xfade mental, uma psic\\xf3loga muito bem recomendada, que fez v\\xe1rias sess\\xf5es com n\\xf3s todos. Ela me disse que eu era vaidosa demais, que dava muitas refer\\xeancias do universo feminino para a minha crian\\xe7a, que meu marido era muito ausente. Para mim, a culpa ser dos pais foi um al\\xedvio. O que eu n\\xe3o sabia \\xe9 que estava abrindo a porta para o inferno. Me masculinizei muito, tirei todos os brinquedos coloridos, enchi a casa de bonecos de her\\xf3is, comprei um cachorro macho\\u2026 Passei dois anos colocando coisas masculinas em casa enquanto a rejei\\xe7\\xe3o da crian\\xe7a s\\xf3 aumentava. E as pessoas ao redor julgavam a minha crian\\xe7a como ingrata, mas o que aconteceu \\xe9 que eu n\\xe3o estava escutando. Com tr\\xeas anos come\\xe7ou a verbaliza\\xe7\\xe3o: \\u201cM\\xe3e, \\xe9 triste que eu nasci menina\\u201d. Minha ang\\xfastia s\\xf3 aumentou. Onde eu estava errando? Eu n\\xe3o conseguia sair desse c\\xe1rcere de g\\xeanero. Quando ele me perguntou se quando morresse poderia voltar menina, comecei a perceber que n\\xe3o valia a pena aquele caminho. Por que eu estava naquele caminho? Pelo medo de como a sociedade ia me julgar, pelos espa\\xe7os que iria perder, pela validade como uma fam\\xedlia bem quista? Era o meu filho que estava em jogo. Eu optei por ele.\\nVoc\\xea \\xe9 muito criticada nas redes, mas as pessoas confundem muito g\\xeanero com sexualidade. Voc\\xea pode falar um pouco sobre isso?\\nA gente tem que come\\xe7ar entendendo que genit\\xe1lia n\\xe3o define g\\xeanero. Quando algu\\xe9m pergunta sobre quem voc\\xea \\xe9, voc\\xea vai falar do tamanho da sua genit\\xe1lia, da pot\\xeancia? N\\xe3o, a \\xfaltima coisa que pensamos quando nos descrevemos \\xe9 na nossa genit\\xe1lia. E a gente vive em uma sociedade que acha que isso define g\\xeanero. Uma crian\\xe7a a partir de dois anos de idade tem estrutura cerebral cognitiva para entender as caixinhas que a gente coloca o que \\xe9 feminino e o que \\xe9 masculino. N\\xf3s somos uma sociedade extremamente bin\\xe1ria. Se eu chegar em uma loja de b\\xf3ia, eles v\\xe3o me perguntar se \\xe9 pra menino ou menina. \\xc9 pra n\\xe3o afundar! As crian\\xe7as percebem isso e 98% est\\xe1 de acordo com o g\\xeanero que lhe foi colocado. Estima-se que 2% sente desconforto com o que foi imposto.\\xa0A quest\\xe3o da sexualidade s\\xf3 vai aflorar na puberdade. Identidade de g\\xeanero n\\xe3o \\xe9 o mesmo que sexualidade. \\xc9 importante falar isso porque o xingamento que mais recebo \\xe9 de ped\\xf3fila. O que eu fa\\xe7o \\xe9 respeitar quando ela olha para mim e fala "Eu me sinto mais confort\\xe1vel se voc\\xea me chamar de filha do que de filho". A gente tem uma cultura antiga de n\\xe3o validar a crian\\xe7a, de que escutar a crian\\xe7a \\xe9 um sinal de fraqueza. A crian\\xe7a \\xe9 um indiv\\xedduo pertencente aos seus interesses e desejos. A gente precisa lidar com a frustra\\xe7\\xe3o de os nossos filhos n\\xe3o corresponderem ao que a gente planejou.\\nE como voc\\xea lidou com o processo de transi\\xe7\\xe3o?\\xa0\\nPerder o meu filho de vista foi muito sofrimento. Eu achei que iria morrer de tristeza. Como m\\xe3e, eu estava muito feliz com meu filho homem. Ele \\xe9 que estava infeliz. Precisei decidir entre a minha felicidade e a dele. Lembrei que mais do que ser m\\xe3e de um filho homem, eu queria ser m\\xe3e de uma pessoa que queria fazer feliz. Quando ele colocou o primeiro tutu eu j\\xe1 sabia que nunca mais iria v\\xea-lo do jeito que o conheci. Eu sentia que se amasse a menina que estava vindo, eu trairia a mem\\xf3ria do meu filho. Como eu amo a pessoa que est\\xe1 matando quem eu mais amo. Sou m\\xe3e de duas pessoas, s\\xe3o amores diferentes. Minha filha, hoje, \\xe9 um amor visceral, eu mato e morro por ela. Foi dif\\xedcil achar esse caminho.\\xa0A m\\xe3e do menino podia sonhar com muita coisa nessa vida. Para acontecer alguma coisa com um menino branco de classe m\\xe9dia precisaria ser uma fatalidade muito grande. O c\\xe9u era o limite: viagens, formaturas. J\\xe1 a minha filha tem uma expectativa de vida de 35 anos, porque as mulheres trans s\\xe3o assassinadas com requinte de crueldade no Brasil. Eu n\\xe3o estou nem mais me lascando se o Natal vai ser ou n\\xe3o na minha casa, por exemplo. Eu s\\xf3 quero que ela volte viva de onde quer que ela v\\xe1. N\\xe3o foi s\\xf3 uma troca de roupa, foi uma troca de sonhos, de vida.'