Christiane Silva Pinto: inclusao e diversidade nas empresas

Published: Sept. 25, 2020, 10:55 p.m.

b'Criadora do comitê de igualdade racial do Google Brasil, Chocochris dá o caminho para combater o racismo nas corporações\\n \\n Christiane Silva Pinto nunca pensou que seria exemplo pra ningu\\xe9m, mas hoje abra\\xe7a a responsabilidade de ter se tornado refer\\xeancia na luta por mais diversidade nas empresas brasileiras.\\xa0Quando chegou ao Google Brasil, onde hoje e\\u0301 gerente de marketing, ela tinha apenas uma colega negra. La\\u0301, fundou um comite\\u0302 de igualdade racial, o AfroGooglers, e ajudou a criar projetos como o YouTube Black, que incentiva criadores de conteu\\u0301do negros, e o Next Step, programa de est\\xe1gio exclusivo para pessoas negras que visa\\xa0aumentar a representatividade na companhia.\\xa0\\u201cAs deciso\\u0303es das empresas trazem com elas os preconceitos e os conceitos que as pessoas te\\u0302m\\u201d, diz. \\u201cSe voce\\u0302 na\\u0303o esta\\u0301 agindo intencionalmente para incluir, voce\\u0302 esta\\u0301 excluindo\\u201d.\\nEmbora 56% dos brasileiros se declarem pretos ou pardos, de acordo com o IBGE, essa parcela que representa mais da metade da popula\\xe7\\xe3o ainda \\xe9 minoria no mundo corporativo. Os dados mostram ainda que profissionais negros ganham at\\xe9 45% menos do que os brancos com a mesma qualifica\\xe7\\xe3o, e est\\xe3o sub-representados nos cargos de lideran\\xe7a, ocupando apenas 6% das posi\\xe7\\xf5es de ger\\xeancia entre as maiores empresas do pa\\xeds. Em entrevista \\xe0 Trip, Chocochris,\\xa0apelido pelo qual ficou conhecida nas redes sociais, conta como venceu obst\\xe1culos e alcan\\xe7ou espa\\xe7os onde pessoas negras eram ausentes ou minoria, e d\\xe1 o caminho para combater o racismo e a desigualdade de oportunidades de dentro das empresas.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/09/5f6e2a7f6410a/chocochris-christiane-silva-pinto-google-tripfm-materiahoriz4.jpg; CREDITS=Alex Batista; LEGEND=Christiane Silva Pinto]\\nTrip. Como \\xe9 a sua fam\\xedlia, a sua origem, de onde voc\\xea vem?\\nChristiane Silva Pinto. Eu gosto muito dessa pergunta sobre a nossa hist\\xf3ria e trajet\\xf3ria de vida porque \\xe9 a\\xed que a gente vai entendendo o que contribuiu para chegar onde chegou. Definitivamente n\\xe3o \\xe9 sorte, mas tamb\\xe9m n\\xe3o \\xe9 s\\xf3 esfor\\xe7o, n\\xe3o \\xe9 s\\xf3 talento. Tem muita coisa na vida de algu\\xe9m que o faz chegar mais perto ou mais longe de um cargo de emprego, ou de um curso universit\\xe1rio, por exemplo. Meus pais, que s\\xe3o a minha grande inspira\\xe7\\xe3o, v\\xeam de fam\\xedlias bastante humildes. Nenhum dos meus av\\xf3s era alfabetizado, nenhum deles sabia ler e escrever. Como duas gera\\xe7\\xf5es depois estou trabalhando numa das maiores empresas do mundo, numa multinacional? Tudo aconteceu justamente porque os meus pais, com a hist\\xf3ria deles, valorizaram muito a educa\\xe7\\xe3o. A minha m\\xe3e \\xe9 do interior de Minas, a segunda de 12 filhos. Imagina 60 anos atr\\xe1s ser a filha mais velha: tinha que cuidar de todos os outros irm\\xe3os. Ela tinha que ir buscar o sustento, desde os cinco anos de idade j\\xe1 trabalhava e andava quil\\xf4metros por dia para ir no matadouro de carne de boi pegar o que sobrava de p\\xe9, de resto, e levar para a fam\\xedlia dela poder comer. Eu realmente admirei muito a minha m\\xe3e sendo diarista, trabalhando de costureira, com v\\xe1rios problemas de coluna por toda essa hist\\xf3ria de trabalhar desde crian\\xe7a, mas que n\\xe3o desistiu de estudar.\\xa0 J\\xe1 o meu pai \\xe9 do interior de S\\xe3o Paulo e ele tamb\\xe9m vem de uma fam\\xedlia bastante humilde. A diferen\\xe7a \\xe9 que meu pai era o ca\\xe7ula de 15. Ele teve a ajuda dos irm\\xe3os mais velhos e at\\xe9 dos maridos das irm\\xe3s que foram casando. A fam\\xedlia foi muito presente em ajudar ele a conseguir oportunidades, quem trabalhava em tal lugar recomendava ele. Meu pai hoje \\xe9 aposentado, mas chegou at\\xe9 o mestrado. E porque os dois viram a transforma\\xe7\\xe3o que um pouco de educa\\xe7\\xe3o trouxe, eles sempre foram bem r\\xedgidos comigo e com meu irm\\xe3o nesse quesito. A prioridade da minha fam\\xedlia era pagar a melhor escola do bairro, o curso de ingl\\xeas. E \\xe9 claro que esse acesso que eu e meu irm\\xe3o tivemos por causa da hist\\xf3ria dos meus pais nos colocaram em lugares onde n\\xe3o tinha outras pessoas negras. A gente fala muito dentro da comunidade negra sobre o descobrir-se negro, esse processo de se tornar negro. No meu caso, eu sempre soube que eu era negra, porque na escolinha j\\xe1 sofria racismo, crian\\xe7as me chamando de macaca. Desde os dois anos de idade meus pais tiveram que ter essa conversa horr\\xedvel, que infelizmente pais e m\\xe3es negras tem que ter com seus filhos, de explicar a triste realidade que a gente vive. Mesmo sendo a \\xfanica pessoa negra ocupando os lugares que eu ocupava, fosse a escola, o ingl\\xeas, a faculdade ou trabalho, eu fui amadurecendo uma mulher negra e vendo o que eu podia trazer de transforma\\xe7\\xe3o para esses espa\\xe7os.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/09/5f6e2982a3650/chocochris-christiane-silva-pinto-google-tripfm-materiahoriz1.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Christiane Silva Pinto e os pais]\\nVoc\\xea entrou na Universidade de S\\xe3o Paulo antes das cotas raciais nos vestibulares. Como foi? Nessa minha trajet\\xf3ria de admira\\xe7\\xe3o e de querer construir algo em cima daquilo que os meus pais fizeram, eu sempre fui muito preocupada em buscar uma educa\\xe7\\xe3o de qualidade, mas gratuita. Descobri a Federal [Instituto Federal de S\\xe3o Paulo], que \\xe9\\xa0uma escola p\\xfablica que tem vestibulinho para entrar. L\\xe1 dentro tinha diversidade de ra\\xe7a, classe social, orienta\\xe7\\xe3o sexual, mas ainda tinha bastante gente que, assim como eu, vinha de escolas particulares e que teve a oportunidade de ter pelo menos um bom ensino antes de acessar aquele espa\\xe7o. E todo mundo ali tamb\\xe9m queria entrar na USP. Voc\\xea n\\xe3o pode ser aquilo que nem imagina que pode ser, e ali naquele ambiente outras pessoas falavam sobre isso, tinham esse objetivo, o que s\\xf3 nutriu ainda mais em mim essa vontade de continuar minha educa\\xe7\\xe3o numa universidade p\\xfablica como a USP.\\nLEIA TAMB\\xc9M: "A mulher negra n\\xe3o pode errar", diz\\xa0Pathy Dejesus\\nNa \\xe9poca em que eu entrei na USP, em 2009, n\\xe3o tinha cotas raciais, era o come\\xe7o das cotas socioecon\\xf4micas, e na sala de aula n\\xe3o tinha ningu\\xe9m negro. Sempre tem aquela coisa de veterano e calouro, algu\\xe9m ali que te acolhe, e eu grudei nas pessoas negras que j\\xe1 estavam l\\xe1. Nos anos seguintes, eu via uma menina negra e j\\xe1 trazia para o meu lado, porque se contasse quantas pessoas negras eu via circulando ali na Escola de Comunica\\xe7\\xe3o e Artes n\\xe3o enchia nem duas m\\xe3os. Na USP como um todo voc\\xea s\\xf3 via pessoas de classes sociais diferentes nos cursos com menor concorr\\xeancia. Realmente n\\xe3o tinham alunos que se pareciam comigo, n\\xe3o tinham professores que se pareciam comigo, e que entendiam que eu sa\\xeda \\xe0s cinco da manh\\xe3 de casa para estar na aula \\xe0s sete, oito da manh\\xe3. Eu passei pela USP achando uma experi\\xeancia enriquecedora nesse sentido de senso cr\\xedtico, de diversidade de rela\\xe7\\xf5es, de conhecer pessoas, hist\\xf3rias. Mas no sentido de inclus\\xe3o racial no ambiente onde eu estudava, eu tive s\\xf3 um professor negro, o Denis Oliveira, que admiro muito, um grande homem do nosso movimento negro no Brasil. E hoje eu olho para tr\\xe1s e consigo entender como foi que isso impactou o meu aprendizado. A grande import\\xe2ncia das cotas \\xe9 essa. N\\xe3o d\\xe1 para ser a \\xfanica pessoa negra nas salas de aula. Eu estou falando de 2009, quando eu entrei, mas em 2020 as coisas n\\xe3o mudaram tanto assim. Ent\\xe3o a grande import\\xe2ncia das cotas realmente \\xe9 democratizar esse acesso. Estudos mostram que, na mesma classe social, os brancos ainda acabam tendo mais vantagens e privil\\xe9gios em rela\\xe7\\xe3o \\xe0s pessoas negras. \\xc9 a gente ter a popula\\xe7\\xe3o brasileira realmente representada dentro das salas de aula e transformar o Brasil a partir disso.\\nVoc\\xea cursou uma faculdade que, teoricamente, \\xe9 tida como mais progressista. Voc\\xea se sentiu v\\xedtima de segrega\\xe7\\xe3o em algum momento ou voc\\xea foi acolhida? Como eu sempre estudei em escolas e ocupei espa\\xe7os majoritariamente brancos, quando entrei na USP n\\xe3o foi diferente. Eu j\\xe1 sabia lidar e me adequar \\xe0quele espa\\xe7o, e n\\xe3o senti racismo nas minhas rela\\xe7\\xf5es ali. Pelo contr\\xe1rio, eu me senti bastante acolhida, foi uma \\xe9poca de muitas experi\\xeancias incr\\xedveis, principalmente fora da sala de aula. Hoje, olhando para tr\\xe1s, eu acho que o racismo estava principalmente em qual era a narrativa estudada, quem s\\xe3o os autores, quem s\\xe3o os professores. Nunca sofri inj\\xfaria, que a galera acha que \\xe9 ao que o racismo se resume: xingar algu\\xe9m. Mas eu j\\xe1 sabia mais ou menos hackear o sistema, ent\\xe3o consegui me virar muito bem ali.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/09/5f6e2a5e8eddc/chocochris-christiane-silva-pinto-google-tripfm-materiahoriz3.jpg; CREDITS=Arquivo pessoal; LEGEND=Chris (ao centro), em a\\xe7\\xe3o do Afrogooglers]\\nLEIA TAMB\\xc9M: Consultorias mostram que igualdade racial \\xe9 sin\\xf4nimo de lucro\\nVoc\\xea trabalha no Google, uma das maiores empresas do mundo. Quando voc\\xea entrou como estagi\\xe1ria, havia outros funcion\\xe1rios negros? Eu era a segunda funcion\\xe1ria negra, na verdade. Tinha eu e mais uma colega. \\xc9 t\\xe3o normatizado isso de voc\\xea olhar pro lado e n\\xe3o ver outras pessoas negras que eu nem me assustei, para ser bem sincera.\\nAo que se deve esse cen\\xe1rio, num per\\xedodo t\\xe3o recente e dentro de uma empresa que tem recursos financeiros e informa\\xe7\\xe3o para ter diversidade? Ningu\\xe9m tinha percebido isso?\\xa0As decis\\xf5es das empresas trazem com elas os preconceitos e os conceitos que as pessoas t\\xeam. Por mais que uma empresa fale "n\\xf3s somos inclusivos, n\\xf3s acreditamos na diversidade, n\\xf3s queremos contratar mais mulheres, mais negras, mais trans", no fim das contas quem est\\xe1 fazendo o dia a dia s\\xe3o as pessoas, e essas pessoas precisam trabalhar os seus preconceitos, o que elas tomam por certo. \\xc9 um gestor que vai tomar a decis\\xe3o se aquela candidata negra vai entrar ou n\\xe3o, ou se vai ser outro, ou se vai ser da mesma faculdade em que ele estudou. Uma coisa que foi muito acertada na minha experi\\xeancia \\xe9 que o Google come\\xe7ou pelo treinamento das pessoas. Primeiro de tudo: treine as suas pessoas. Se voc\\xea n\\xe3o come\\xe7ou a fazer isso ainda na sua empresa, na empresa em que voc\\xea trabalha, est\\xe1 muito atrasado, porque come\\xe7a no individual. A pessoa realmente tem que estar interessada em olhar o mundo, a olhar de uma forma nova e treinar o seu olhar, porque esse \\xe9 o olhar de todas as nossas decis\\xf5es, todos os dias.\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Ad\\xe9lia Sampaio, a primeira mulher negra a dirigir um longa metragem no Brasil\\nComo fazer para ter mais igualdade nos cargos de peso, melhor remunerados? Digamos que eu seja o diretor e tenho cargos para preencher, grana para pagar, mas n\\xe3o encontro especialistas negros com a qualifica\\xe7\\xe3o necess\\xe1ria. As cotas nas universidades s\\xe3o uma pol\\xedtica recente, esses profissionais ainda n\\xe3o est\\xe3o em grande n\\xfamero no mercado. O que um gestor deve fazer nesse caso? Para aumentar a diversidade em uma empresa voc\\xea tem que investir em recurso. Seja recursos de dinheiro, seja de tempo dos seus funcion\\xe1rios. Se \\xe9 importante, voc\\xea vai investir. Se voc\\xea n\\xe3o mudar nada na sua atitude, no que voc\\xea vem fazendo, voc\\xea definitivamente n\\xe3o vai ter resultados diferentes da situa\\xe7\\xe3o que voc\\xea j\\xe1 tem. Voc\\xea tem que diagnosticar o problema, olhar para dentro, para a empresa: "Temos funcion\\xe1rios negros? N\\xe3o temos? Quais s\\xe3o os requisitos que estamos pedindo pra contratar? Se eu n\\xe3o tenho funcion\\xe1rios negros, onde ser\\xe1 que eu estou barrando eles?". Se voc\\xea n\\xe3o est\\xe1 agindo intencionalmente para incluir, n\\xe3o intencionalmente voc\\xea est\\xe1 excluindo, porque \\xe9 assim, essa \\xe9 a sociedade que a gente vive hoje. Entenda quem voc\\xea j\\xe1 tem dentro de casa, quais cargos, como s\\xe3o os sal\\xe1rios, se t\\xeam disparidade de sal\\xe1rios entre funcion\\xe1rios negros e brancos ou n\\xe3o. Tem s\\xf3 os estagi\\xe1rios, ou tem gerentes negros? E a\\xed come\\xe7ar a agir. \\xc9 uma empresa que tem recursos? Contrate quem sabe fazer. N\\xe3o acha que voc\\xea j\\xe1 sabe fazer o que voc\\xea n\\xe3o sabe. Voc\\xea est\\xe1 aprendendo e precisa dessa humildade de quem est\\xe1 aprendendo, ent\\xe3o traga quem entende do assunto. Traga especialistas como a Luana Genot, do Instituto Identidades do Brasil, que faz exatamente isso.\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Luiza Trajano fala sobre sucesso, poder e fam\\xedlia\\nSobre cargos de lideran\\xe7a e cargos de entrada. O ideal \\xe9 fazer os dois: trabalhar a entrada de jovens aprendizes, estagi\\xe1rios e posi\\xe7\\xf5es de entrada, com estudantes negros. E voc\\xea faz isso ativamente, se voc\\xea ficar esperando o curr\\xedculo chegar, n\\xe3o vai chegar. Vai l\\xe1 onde est\\xe3o as universidades que j\\xe1 t\\xeam cotas raciais, as faculdades de classe C, D e E, que \\xe9 onde essa galera est\\xe1. Eles existem! N\\xe3o \\xe9 que n\\xe3o chega, a sua marca n\\xe3o fala com elas, por isso que elas n\\xe3o est\\xe3o aplicando para trabalharem na sua empresa. Para trabalhar com os estudantes que est\\xe3o ali come\\xe7ando a carreira, \\xe9 um pouco mais simples. Voc\\xea vai ter oportunidades de desenvolver eles junto com a carreira deles, as habilidades que est\\xe3o faltando, como o ingl\\xeas, por exemplo. J\\xe1 do lado dos profissionais mais seniores, realmente \\xe9 um pouco complicado porque a gente est\\xe1 falando de uma gera\\xe7\\xe3o anterior \\xe0s cotas, ent\\xe3o s\\xe3o poucos profissionais negros que v\\xe3o ter o diploma, o n\\xedvel de instru\\xe7\\xe3o ou de experi\\xeancia que voc\\xea est\\xe1 pedindo para seus cargos de ger\\xeancia, executivos, de lideran\\xe7a. N\\xe3o \\xe9 a realidade. S\\xe3o menos profissionais e voc\\xea acaba s\\xf3 mudando as pecinhas do jogo. Provavelmente voc\\xea vai pegar algu\\xe9m que j\\xe1 est\\xe1 em outra empresa e colocar na sua. Agora a sua tem um l\\xedder negro e a outra n\\xe3o tem mais. N\\xe3o \\xe9 uma mudan\\xe7a substancial de mercado. Tudo vem a partir de entender que \\xe9 preciso investir nessa prepara\\xe7\\xe3o, nessa capacita\\xe7\\xe3o de profissionais negros, seja contratando eles e desenvolvendo, seja criando programas pra desenvolver eles e depois contratar. Mas precisa de investimento, comprometimento, porque fazendo as coisas como sempre, nada muda.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/09/5f6e299acf31f/chocochris-christiane-silva-pinto-google-tripfm-materiahoriz2.jpg; CREDITS=Ag\\xeancia Ophelia; LEGEND=Christiane Silva Pinto na Casa Tpm]\\nVoc\\xea conseguiu alcan\\xe7ar uma posi\\xe7\\xe3o e romper obst\\xe1culos que ainda est\\xe3o fora da realidade de muitas pessoas negras no pa\\xeds. Eu j\\xe1 recebi aqui pessoas como Tha\\xedde e Dexter, com as quais falei sobre o que acontece na cabe\\xe7a quando se alcan\\xe7a esse sucesso, e se pode desfrutar de uma vida melhor, de viagens, de coisas materiais, mas as pessoas em volta ainda est\\xe3o sofrendo com a desigualdade, com o racismo. Como \\xe9 esse sentimento? O que voc\\xea sente \\xe9 exaust\\xe3o. Porque o tempo inteiro voc\\xea est\\xe1 sendo impactado pelo racismo e pelos preconceitos, por toda essa explos\\xe3o institucional e estrutural para com o negro no Brasil. E ao mesmo tempo voc\\xea est\\xe1 ali, batalhando, fazendo o seu. Um amigo meu falou uma frase que nunca esqueci: "Voc\\xea tem que trabalhar o triplo para entregar o dobro e ser reconhecido como igual". Eu vivo isso todos os dias desde que eu nasci. E com certeza quem \\xe9 preto e estiver me lendo aqui vai se reconhecer tamb\\xe9m. Eu acho que a sa\\xfade mental da popula\\xe7\\xe3o preta \\xe9 um tema pouco falado e dos mais urgentes e importantes. Imagina o que \\xe9 querer ser sem saber hist\\xf3ria do seu povo. N\\xe3o no sentido de procurar a fam\\xedlia, a ascend\\xeancia e tal. Mas todo mundo que era igual a voc\\xea n\\xe3o resistiu, parece que foi trazido de escravo porque era bobo, foi capturado e trazido. A\\xed foi mantido ali, nunca tentou se revoltar, sair dessa, e em algum momento veio a Princesa Isabel, uma santa, e deu a aboli\\xe7\\xe3o para a gente. Ent\\xe3o parece que foi ganhada essa liberdade. A gente n\\xe3o estuda sobre os reis, as rainhas, as formas de organiza\\xe7\\xe3o da sociedade africana, matriarcado, as v\\xe1rias contribui\\xe7\\xf5es da cultura negra e da hist\\xf3ria e exist\\xeancia negra para o Brasil. E a\\xed quando voc\\xea est\\xe1 nesse lugar de come\\xe7ar a fazer sucesso n\\xe3o tem sa\\xfade mental mesmo para lidar com isso. Voc\\xea se sente cobrado, voc\\xea se sente exausto e voc\\xea tem medo de perder todo o tempo. Voc\\xea leva o trabalho muito mais a s\\xe9rio porque uma demiss\\xe3o para voc\\xea \\xe9 "como \\xe9 que vou pagar as contas?", "como \\xe9 que eu vou continuar ajudando a minha m\\xe3e, a minha fam\\xedlia?". Voc\\xea est\\xe1 numa multinacional fazendo o seu home office em casa, mas o seu irm\\xe3o sai para fazer entrega do iFood. A sua m\\xe3e est\\xe1 indo trabalhar no caixa do mercado todos os dias. Eu tenho v\\xe1rios colegas de AfroGooglers que tem essa realidade, e todo mundo realmente se sente culpado. A gente tem que sempre lembrar que, se o racismo e o machismo s\\xe3o mantidos at\\xe9 hoje, \\xe9 porque tem narrativas que s\\xe3o criadas e mantidas, imagens que continuam subjugando a gente a esse lugar. Ent\\xe3o a pr\\xf3pria popula\\xe7\\xe3o tamb\\xe9m acaba acreditando que ela n\\xe3o merece, que ela n\\xe3o pode, que ela n\\xe3o pertence. \\xc9 a s\\xedndrome do impostor. Tem vergonha at\\xe9 de compartilhar as coisas que conquistou de bom para ningu\\xe9m ficar: "ah, mas voc\\xea n\\xe3o \\xe9 preta de verdade, voc\\xea \\xe9 Patr\\xedcia". Quem v\\xea close\\xa0n\\xe3o v\\xea corre, n\\xe3o v\\xea as horas n\\xe3o dormidas, n\\xe3o v\\xea o burnout, a ansiedade, a depress\\xe3o. Infelizmente essa \\xe9 uma realidade de muitos dos colegas pretos que tamb\\xe9m est\\xe3o alcan\\xe7ando lugares onde eles poderiam estar desfrutando felizes e comemorando, mas o racismo n\\xe3o deixa. Seja porque outras pessoas n\\xe3o deixam voc\\xea desfrutar \\u2013 "isso n\\xe3o \\xe9 para voc\\xea" \\u2013 ou porque voc\\xea mesmo n\\xe3o se deixa desfrutar, at\\xe9 porque voc\\xea tem que continuar no corre, garantindo o seu lugar todos os dias.\\n[QUOTE=1114]\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Thelminha: n\\xe3o d\\xe1 para escolher entre o machismo e o racismo\\nE por fim voc\\xea ainda \\xe9 exemplo de uma galera. Eu sofro muito com isso porque eu nunca me imaginei exemplo de ningu\\xe9m, eu nunca quis ser ningu\\xe9m. Pelo contr\\xe1rio, eu sempre fui a doidinha. A responsabilidade que isso traz para voc\\xea. As pessoas te pedem ajuda, te trazem demandas. Pessoas negras e pessoas brancas que vem: "agora eu quero fazer alguma coisa Chris, pode me ajudar?" Principalmente a galera branca, que tem o melhor n\\xedvel de acesso \\xe0 educa\\xe7\\xe3o,\\xa0 poderia muito bem procurar no Google o que \\xe9 racismo, o que \\xe9 anti-racismo, quais s\\xe3o os livros, os TED talks, mas acham mais conveniente vir perguntar. E \\xe9 por isso que eu acho que n\\xe3o \\xe9 responsabilidade do negro educar ningu\\xe9m. Mas eu consegui acessar muitos lugares que pessoas negras n\\xe3o acessam, e realmente tomo pra mim um pouco essa responsabilidade como uma voca\\xe7\\xe3o, um prop\\xf3sito na minha vida de fazer o meu lugar um pouquinho melhor todos os dias atrav\\xe9s dessa ponte.\\nSe voc\\xea pudesse indicar s\\xf3 uma pe\\xe7a, pode ser um um filme, um livro, para algu\\xe9m que genuinamente esteja querendo aprender sobre a quest\\xe3o do combate ao racismo, o que voc\\xea indicaria? Sempre a gente vai para livros de intelectuais ou coisas um pouco complicadas que acabam afastando as pessoas, apesar de que nossos intelectuais negros devem ser reconhecidos \\u2013\\xa0Djamila Ribeiro,\\xa0Sueli Carneiro, Cida Bento, L\\xe9lia Gonzales, Silvio Almeida e todos esses nomes. Fa\\xe7am a li\\xe7\\xe3o de casa, procurem, conhe\\xe7am e leiam. Ma,s pra facilitar, recomendo um filme que chama O \\xf3dio que voc\\xea semeia. S\\xf3 de lembrar j\\xe1 fiquei emocionada, v\\xe1rias coisas que acontecem ali mostram brutalmente a realidade de uma fam\\xedlia negra. Esse filme mexeu comigo e pega em alguns pontos muito delicados da experi\\xeancia de ser negro. No fim das contas, somos todos humanos e eu acho que quando voc\\xea v\\xea uma pessoa sendo morta, uma fam\\xedlia, a sa\\xfade mental de algu\\xe9m se destruindo por causa do racismo, n\\xe3o tem como isso n\\xe3o mexer com voc\\xea, com a sua empatia.'