Celso Athayde: Sempre quis fazer revolucao

Published: Oct. 15, 2021, 11 p.m.

b'O cofundador da CUFA bate um papo com Leo Jaime sobre como as periferias podem virar referência de potência, e não de carência\\n \\n Aos dezesseis anos Celso Athayde j\\xe1 havia morado em tr\\xeas favelas do Rio de Janeiro. Quando crian\\xe7a, aos seis, viveu sob o viaduto de Madureira. Mas foi armado dessas duras experi\\xeancias que ele se reconstruiu: foi camel\\xf4, descobriu o ativismo, fundou a Central \\xdanica das Favelas, a CUFA, e ainda neste m\\xeas de outubro levou o pr\\xeamio de Empreendedor Social do Ano pela Funda\\xe7\\xe3o Schwab.\\nHomenageado tamb\\xe9m pelo pr\\xeamio Trip Transformadores 20/21, hoje ele est\\xe1 \\xe0 frente da Favela Holding, conjunto de empresas que tem como objetivo impulsionar o desenvolvimento de neg\\xf3cios e de profissionais nas favelas.\\n\\xc9 sobre essa guinada vertiginosa \\u2013 numa conversa n\\xe3o menos entusiasmada \\u2013 que Celso e o ator e cantor Leo Jaime conversam e pensam juntos sobre o Brasil e como suas periferias podem virar refer\\xeancias de pot\\xeancia ao inv\\xe9s de car\\xeancia. O encontro aconteceu no programa Pr\\xeamio Trip Transformadores 2021, que foi ao ar pela TV Cultura em junho, mas que agora voc\\xea pode curtir tamb\\xe9m em \\xe1udio no Trip FM, dispon\\xedvel no player nesta p\\xe1gina ou no Spotify.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2021/10/616991910a137/trip-fm-celso-athayde-mh.jpg; CREDITS=Reprodu\\xe7\\xe3o; LEGEND=Celso Athayde fundou a Central \\xdanica das Favelas, a CUFA; ALT_TEXT=Celso Athayde]\\nLeo Jaime.\\xa0N\\xe3o sei se voc\\xea se lembra, mas a \\xfaltima vez que a gente se encontrou foi no palco do Theatro Municipal entregando o pr\\xeamio Anu pra mostrar e trazer visibilidade a projetos que atendem a CUFA. Foi muito legal porque est\\xe1vamos levando para o palco pessoas que se destacaram, fizeram ensino superior e voltaram para a periferia criando projetos.\\nCelso Athayde.\\xa0Me lembro muito bem. Voc\\xea apresentou um pr\\xeamio junto com a Fernanda Lima. E voc\\xea foi brilhante, eu j\\xe1 era seu f\\xe3. Sou de Bangu, da Favela do Sapo. Tinha um cassino por l\\xe1 e durante muitos anos eu dancei o teu som. Te encontrar no palco foi um momento muito bacana na minha vida e na vida da CUFA.\\nPra mim foi muito importante participar da premia\\xe7\\xe3o porque fico achando que no percurso da minha vida pode ter sido tudo em v\\xe3o, que a gente n\\xe3o conseguiu mudar nada na realidade brasileira. Voc\\xea falou da sua origem na Favela do Sapo, mas antes disso voc\\xea chegou ao Viaduto de Madureira. Queria que voc\\xea contasse isso.\\xa0A gente sempre sonha e normalmente n\\xe3o v\\xea um n\\xfamero significativo de pessoas que nos fa\\xe7am acreditar nessa mudan\\xe7a. Sou de um bairro chamado Olinda, na Baixada Fluminense, de uma cidade chamada Nil\\xf3polis, de uma favela chamada Cabral. Meus pais se separaram quando eu tinha 6 anos de idade e ambos eram alco\\xf3latras. Eles brigavam todos os dias, eram brigas muito violentas e ali eles tiveram a \\xfaltima briga deles. Minha m\\xe3e resolveu ir embora de casa. Ela sempre voltava porque sabia que tinha dois filhos e pensava que na rua passar\\xedamos necessidades muito maiores do que as que j\\xe1 t\\xednhamos. Nesse dia, ela n\\xe3o voltou. Foi morar embaixo do viaduto Negr\\xe3o de Lima em Madureira e ficou ali durante seis anos. Dos 6 aos 12 anos de idade era ali que a gente morava. Teve uma grande enchente no Rio uma vez e fomos remanejados para o abrigo Pavilh\\xe3o de S\\xe3o Crist\\xf3v\\xe3o, que hoje \\xe9 a feira dos para\\xedbas. Aos 14, fui ent\\xe3o para a Favela do Sapo. Meu irm\\xe3o foi assassinado e a gente continuou nossa luta e eu voltei depois para Madureira, na condi\\xe7\\xe3o de camel\\xf4, no mesmo viaduto onde tinha vivido. Ali, come\\xe7o a juntar os camel\\xf4s todos e fazemos festas em datas comemorativas como Cosme e Dami\\xe3o, Natal, e \\xe9 meu primeiro encontro com aquele espa\\xe7o que tinha sido meu abrigo, vira uma grande festa. Sempre quis fazer uma revolu\\xe7\\xe3o com aquela rapaziada.\\n\\xc9 curioso que voc\\xea transformou o lugar em que passou seis anos da sua inf\\xe2ncia em espa\\xe7o pra voc\\xea se lan\\xe7ar e mostrar o seu sonho. Podia ser um lugar de lembran\\xe7as ruins, mas voc\\xea conseguiu n\\xe3o s\\xf3 ressignificar, mas transformar o espa\\xe7o. Como \\xe9 que voc\\xea manteve o sonho vivo?\\xa0A vantagem do per\\xedodo em que vivi na rua era que eu tinha minha m\\xe3e do meu lado. Apesar da rela\\xe7\\xe3o com o \\xe1lcool, ela era nossa grande refer\\xeancia, prezava muito pela honestidade. Um dos valores mais expressivos das periferias \\xe9 justamente a moral, a \\xe9tica e os c\\xf3digos de lealdade. Obviamente, as not\\xedcias que mais circulam s\\xe3o de uma minoria que acaba se transformando numa anomalia moral por conta das anomalias sociais ali. Pior do que morar na rua \\xe9 nascer na rua, eu tive essa vantagem. Mesmo morando na rua, eu tinha medo da rua. Tinha medo da disputa do lugar para dormir, e aquilo podia custar sua vida. Quem nasce na rua nem tem esse medo. Eu sempre sonhei em ser rico, achava que tinha nascido no lugar errado e precisava encontrar meu castelo. Eu sempre soube que seria rico, sem nenhuma habilidade ou objetivo. Um tempo depois, percebo que minha habilidade era aquela de juntar gente, fazer festa com elas e desejar uma revolu\\xe7\\xe3o. Lembro que o Bagulh\\xe3o, do Comando Vermelho, deu pra gente ler \\u201cGuerra e Paz\\u201d. Eu n\\xe3o sabia ler e ele deu um prazo de seis meses pra fazer uma argui\\xe7\\xe3o. Quem n\\xe3o tivesse lido tomaria tiro na m\\xe3o, ent\\xe3o obviamente tentei aprender a ler r\\xe1pido, mas n\\xe3o consegui. O tempo passou, ele n\\xe3o deu tiro na m\\xe3o de ningu\\xe9m, mas comecei a fazer rap pra fazer a revolu\\xe7\\xe3o.\\nO rap teve protagonismo no mundo todo. N\\xe3o vejo aqui tocando no r\\xe1dio m\\xfasicas que falem da nossa realidade. O rap sempre fez isso, mas virou nicho.\\xa0\\xc9 como ser negro. A gente tem que ter orgulho de ser negro, mas a gente n\\xe3o pode apenas ser negro, porque sen\\xe3o voc\\xea vira nicho tamb\\xe9m. Quando um homem vai \\xe0 Lua, ele vai \\xe0 Lua. Quando um negro vai \\xe0 Lua, \\xe9 um negro indo \\xe0 Lua. Ent\\xe3o a gente precisa se colocar no lugar onde est\\xe1 todo mundo. A gente n\\xe3o pode aceitar que nos coloquem em uma caixinha, como fazem com os pretos em partidos pol\\xedticos, racializando os votos.\\nCelso, eu escrevi \\u201cela n\\xe3o gosta de mim, mas \\xe9 porque eu sou pobre\\u201d, ou \\u201cvoc\\xea vai de carro pra escola e eu s\\xf3 vou \\xe0 p\\xe9\\u201d. S\\xe3o m\\xfasicas que falam da dificuldade do jovem que n\\xe3o tem dinheiro em se sentir merecedor de amor. Eu acho que h\\xe1 uma rela\\xe7\\xe3o grande entre a desvalia do indiv\\xedduo com sua incapacidade de ver o seu lugar no mundo. Como \\xe9 que a gente pode fazer? Dando exemplo?\\xa0A gente faz tudo na vida pensando na tal da mobilidade social. Quando sua m\\xe3e manda voc\\xea estudar, ela t\\xe1 pensando que voc\\xea vai ser uma pessoa com mais poder aquisitivo a partir de um emprego melhor. Seja qual for o conselho que voc\\xea receber, est\\xe3o sempre pensando em como \\xe9 que a sociedade vai abrir as portas pra voc\\xea. Particularmente, n\\xe3o acredito numa sociedade em que todo mundo v\\xe1 ser igual. Eu acredito que a gente pode lutar por uma sociedade em que o filho do dono do pr\\xe9dio e o filho do porteiro tenham a possibilidade de sonhar com melhores alternativas. Hoje eu tenho 25 empresas e eu falo favel\\xeas. Imagina se as pessoas que v\\xeam de onde eu venho tivessem aulas de neg\\xf3cios na favela. Elas teriam muito mais oportunidades e alternativas. O fato \\xe9 que a gente t\\xe1 sempre estudando para ser motorista do filho do patr\\xe3o do meu pai. Essa pir\\xe2mide n\\xe3o muda e ela est\\xe1 formatada para n\\xe3o mudar. Falta de dinheiro causa at\\xe9 fim de casamento. Ningu\\xe9m quer ser pobre n\\xe3o, gente! Tem quest\\xf5es afetivas em ficar ou sair da favela, ent\\xe3o voc\\xea sai, como fazem os jogadores de futebol. E a falta de dinheiro faz com que voc\\xea n\\xe3o consiga tratar dos seus dentes, da sua sa\\xfade, sua fam\\xedlia n\\xe3o consiga se alimentar bem\\u2026 N\\xe3o d\\xe1 para ser feliz assim. Ter dinheiro n\\xe3o significa que voc\\xea v\\xe1 ser feliz, mas que vai conseguir cuidar melhor das dores da vida.'