Carol Solberg: E muito dificil ser atleta no Brasil

Published: Dec. 18, 2020, 11 p.m.

b'A jogadora fala sobre a censura que sofreu, a sexualização do corpo das jogadoras e os dilemas da maternidade para as atletas\\n \\n N\\xe3o d\\xe1 pra cravar que foi destino, mas d\\xe1 pra dizer que n\\xe3o foi uma surpresa que Carol Solberg escolhesse fazer carreira no esporte. Filha da jogadora de v\\xf4lei de quadra Isabel Salgado e irm\\xe3 de dois jogares, ela passou a inf\\xe2ncia viajando para acompanhar a m\\xe3e em torneios, e na adolesc\\xeancia j\\xe1 estava trilhando seu pr\\xf3prio caminho no v\\xf4lei de praia.\\nO que n\\xe3o era esperado nessa trajet\\xf3ria \\xe9 que, logo ap\\xf3s uma vit\\xf3ria que lhe rendeu um lugar no p\\xf3dio em um campeonato em outubro, duas palavrinhas causariam um rebuli\\xe7o muito maior do que qualquer medalha: "Fora Bolsonaro". A manifesta\\xe7\\xe3o espont\\xe2nea de Carol Solberg lhe rendeu uma den\\xfancia pelo Comit\\xea Disciplinar do Supremo Tribunal de Justi\\xe7a Desportiva, com san\\xe7\\xf5es e uma advert\\xeancia, da qual a atleta recorreu e foi absolvida em novembro: "A advert\\xeancia veio como uma censura. Eu sabia que n\\xe3o tinha feito nada errado".\\xa0\\n[VIDEO=https://www.youtube.com/embed/G-2itoprkzA; CREDITS=; LEGEND=; IMAGE=https://img.youtube.com/vi/G-2itoprkzA/sddefault.jpg]\\nMas se o processo no Tribunal foi resolvido, a discuss\\xe3o que essa manifesta\\xe7\\xe3o e sua repres\\xe1lia despertaram est\\xe1 s\\xf3 no come\\xe7o. O processo no STJD virou assunto em todo o Brasil e tem estimulado o debate sobre liberdade de express\\xe3o e desafiado a m\\xe1xima de que esporte e pol\\xedtica n\\xe3o se misturam. "Se voc\\xea pode dar voz a movimentos t\\xe3o importantes, voc\\xea tem que ser estimulado a falar", diz.\\nEm conversa com a Trip, ela fala sobre os aprendizados que vieram com esse epis\\xf3dio e revela os bastidores do que \\xe9 ser uma atleta no Brasil. Spoiler: quest\\xf5es como a sexualiza\\xe7\\xe3o do corpo das jogadoras e a falta de seguran\\xe7a financeira na maternidade deixam a certeza de que viver do esporte n\\xe3o tem nada a ver com o glamour dos p\\xf3dios. Carol questiona, ainda, o conflito entre educa\\xe7\\xe3o e carreira, \\xa0que acaba refletido na falta de posicionamento pol\\xedtico dentro do esporte. "A realidade do atleta brasileiro \\xe9 muito dura, a grande maioria est\\xe1 pensando no seu prato de comida. Querer e exigir desse atleta que ele tamb\\xe9m seja engajado politicamente \\xe9 um pouco injusto \\xe0s vezes", afirma.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/12/5fdbd4bf05ca0/fm-carol-solberg-jogadora-volei-praia-trip-m2.jpg; CREDITS=Fernando Young/ Divulga\\xe7\\xe3o; LEGEND=Carol Solberg]\\nTrip. Voc\\xea come\\xe7ou a sua carreira de atleta profissional bem jovem, com 11 anos. Como \\xe9 tomar a decis\\xe3o de escolher o esporte como profiss\\xe3o num pa\\xeds como o Brasil, onde faltam investimentos nessa \\xe1rea?\\nCarol Solberg. Tomar essa decis\\xe3o \\xe9 muito dif\\xedcil. Ainda mais porque normalmente ela \\xe9 tomada muito jovem. Aos 15 anos, 16 anos voc\\xea est\\xe1 escolhendo o que voc\\xea vai fazer da sua vida, e normalmente voc\\xea tem que abrir m\\xe3o de estudar. Eu, por exemplo, que sou privilegiada e tive acesso a tudo, tive dificuldade para terminar o segundo grau. Terminei o \\xfaltimo ano nas coxas porque eu j\\xe1 estava correndo o Circuito Mundial. Escolher entre tentar entrar na faculdade ou \\xa0ser atleta profissional \\xe9 sempre um risco muito grande. E voc\\xea toma essa decis\\xe3o no momento em que voc\\xea n\\xe3o tem apoio, n\\xe3o tem patroc\\xednio, e n\\xe3o tem a menor ideia se conseguir\\xe1 seguir com aquela profiss\\xe3o. Ent\\xe3o tem muitas inseguran\\xe7as por tr\\xe1s disso. O que acontece nos Estados Unidos \\xe9 exatamente o oposto, uma atleta jovem, que est\\xe1 em alto n\\xedvel, imediatamente ganha uma bolsa em uma universidade e pode estudar em uma faculdade bacana mantendo o seu treinamento e continuando em super alto n\\xedvel. No Brasil \\xe9 muito dif\\xedcil ser atleta.\\nUm outro aspecto cruel da vida de atleta \\xe9 o curto per\\xedodo em que voc\\xea consegue exercer a profiss\\xe3o. Para um profissional como um psicanalista, por exemplo, a tend\\xeancia \\xe9 ficar melhor com o passar dos anos. Mas para o atleta o \\xe1pice da carreira \\xe9 na juventude. Com certeza, a nossa carreira \\xe9 muito curta. No v\\xf4lei de praia, aos 38, 39 anos \\xe9 mais ou menos quando uma mulher est\\xe1 parando de jogar, isso se n\\xe3o tiver nenhuma les\\xe3o no meio do caminho. Aos 40 anos voc\\xea tem que descobrir uma nova profiss\\xe3o e o que vai fazer na maior parte da sua vida. Eu j\\xe1 tenho 33, e quando penso sobre isso, confesso que ainda quero jogar, mas me d\\xe1 uma inseguran\\xe7a e eu falo "caramba, o que \\xe9 que eu vou fazer?" N\\xe3o tenho a menor ideia, porque eu amo jogar v\\xf4lei, sou apaixonada pelo meu esporte, e eu n\\xe3o me preparei para outras coisas, n\\xe3o consegui conciliar uma faculdade junto com isso. Depende muito do que voc\\xea construiu ao longo da sua carreira, com o que voc\\xea vai trabalhar posteriormente. Eu acho que a vida de atleta no Brasil \\xe9 repleta de inseguran\\xe7as.\\n[QUOTE=1156]\\nE tem o risco das les\\xf5es. Voc\\xea se machuca e ningu\\xe9m vai te bancar. N\\xe3o tem um tipo de seguro, um tipo de assist\\xeancia, voc\\xea est\\xe1 por sua conta. Eu tive dois filhos, engravidei duas vezes. Os anos seguintes \\xe0s minhas gravidezes foram muito dif\\xedceis. Eu s\\xf3 investi no v\\xf4lei, n\\xe3o ganhei um centavo, s\\xf3 botei dinheiro para poder voltar a estar entre as melhores. Voc\\xea engravida e n\\xe3o tem nenhum benef\\xedcio. Volta com 80% dos seus pontos, eles tiram 20% dos seus pontos sei l\\xe1 o porqu\\xea. \\xc9 muito complicado, mas \\xe9 isso.\\nA maternidade com frequ\\xeancia \\xe9 adiada ou se torna um dilema para mulheres de diversas \\xe1reas profissionais, mas para as atletas, que como falamos tem a dura\\xe7\\xe3o da carreira profissional mais estreita, imagino que escolher parar por alguns meses para ter um filho seja uma decis\\xe3o dif\\xedcil.\\xa0Eu sempre tive a certeza de que eu queria ser m\\xe3e antes de parar de jogar. Nunca passou pela minha cabe\\xe7a a ideia de esperar terminar a minha carreira para ser m\\xe3e. Esse desejo sempre esteve em mim, e quando eu senti essa vontade, que era uma coisa muito maior, eu n\\xe3o tive d\\xfavida. N\\xe3o me assustava a ideia de n\\xe3o poder ser uma m\\xe3e que estaria o tempo inteiro ao lado dos filhos, porque eu vivenciei muito isso. A minha m\\xe3e teve quatro filhos ao longo da carreira e ela sempre carregou a gente para tudo que \\xe9 lado, mas tamb\\xe9m perdeu muitas coisas. Claro que ela n\\xe3o estava em todos os anivers\\xe1rios e reuni\\xf5es de escola, e eu nunca achei que isso era importante, porque o amor, que era o que mais importava, estava sempre ali. Ela curtia muito estar com a gente, isso era evidente. Ent\\xe3o eu sempre achei que era totalmente poss\\xedvel conciliar a maternidade com o esporte, e me atra\\xeda inclusive a ideia de viajar o mundo com meu filho e ele torcer por mim. Nunca me assustou essa coisa da gravidez. Acho que eu sou privilegiada fisicamente, consegui ter uma gravidez saud\\xe1vel e consegui treinar durante a gesta\\xe7\\xe3o. J\\xe1 estava competindo de novo quando meu filho tinha tr\\xeas meses. E me animei at\\xe9 para ter o segundo porque, para mim, apesar de ter sido dif\\xedcil o ano seguinte, eu curti tanto ser m\\xe3e, me realizei tanto e foi t\\xe3o incr\\xedvel que eu queria vivenciar aquilo de novo. Eu tenho muito desejo de ter outro filho e muita vontade, mas eu n\\xe3o tenho mais a mesma disposi\\xe7\\xe3o. Quando eu penso numa gravidez, em voltar fisicamente, agora um pouco mais velha, e viajar com tr\\xeas crian\\xe7as, eu j\\xe1 n\\xe3o me animo. Vai muito do que a mulher est\\xe1 sentindo. Quando eu decidi engravidar do Salvador e do Jos\\xe9 eu tinha certeza que era aquilo que eu queria e que, o que viesse pela frente, eu estava pronta para encarar. Agora eu estou com desejo de engravidar de novo, mas n\\xe3o t\\xf4 afim de encarar o que vem pela frente, que eu j\\xe1 sei o que \\xe9. A minha pr\\xf3xima gravidez, porque eu espero ter mais um filho, quero que seja mais para frente, quando eu estiver desacelerando no esporte, parando de jogar. Porque eu quero poder ter uma gravidez diferente, em que eu possa curtir um pouco mais, amamentar at\\xe9 quando eu quiser. Jos\\xe9 e Salvador eu parei de amamentar quando eu fui para a China, eles tinham dez meses. Os dois, coincidentemente, eu parei de amamentar aos dez meses e coincidiu com esses torneios na \\xc1sia. Eu n\\xe3o quis lev\\xe1-los por ser uma viagem muito pesada, n\\xe3o queria levar o beb\\xea para uma viagem dessas. Mas eu tenho o desejo de ter uma gravidez em que eu possa fazer as coisas num outro ritmo.\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Como \\xe9 estar gr\\xe1vida no congresso nacional?\\nNo ano passado corredoras de elite nos Estados Unidos foram a p\\xfablico expor que perdiam patroc\\xednio quando engravidavam, com bases em cl\\xe1usulas de contrato que exigiam um determinado desempenho. Uma delas, a Alysa Monta\\xf1a, chegou a competir at\\xe9 os 8 meses de gesta\\xe7\\xe3o para poder manter o patroc\\xednio. Esse cen\\xe1rio tamb\\xe9m acontece aqui no Brasil? Com certeza se a gente tivesse algum tipo de ajuda, se pud\\xe9ssemos contar com algum tipo de benef\\xedcio, as mulheres n\\xe3o teriam pressa em voltar a treinar, poderiam esperar um pouquinho mais. No meu caso, eu tamb\\xe9m quis voltar muito r\\xe1pido. \\xd3bvio que por conta do ranking, e pensando que eu tinha que voltar logo e fazer grana, estar competindo, mas tinha o desejo tamb\\xe9m. Eu amo jogar v\\xf4lei, adoro estar em quadra, estava morrendo de saudades da adrenalina. Agora, \\xe9 um absurdo voc\\xea pensar que uma atleta tenha que voltar por conta de patroc\\xednio. Vamos pensar em como ajudar, uma forma bacana dessas mulheres poderem ter uma gravidez legal e que saibam que podem contar com os patroc\\xednios. Na minha primeira gravidez o meu patrocinador continuou, eu falei que eu queria engravidar e ele foi muito legal. Agora, tem muita a marca que n\\xe3o. Eu vi tudo isso que rolou com a Alysa, vi o v\\xeddeo que ela fez falando sobre isso, \\xe9 revoltante. N\\xe3o d\\xe1 mais para ter esse tipo de posicionamento diante de uma gravidez.\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Quanto custa o gol de uma mulher?\\nO v\\xf4lei de praia n\\xe3o \\xe9 o esporte mais popular do Brasil, mas est\\xe1 longe de estar entre os menos. De uma maneira geral \\xe9 um esporte que atrai muito a aten\\xe7\\xe3o das pessoas e a audi\\xeancia na televis\\xe3o, embora ultimamente n\\xe3o esteja sendo muito televisionado. Como \\xe9 o aspecto financeiro de uma jogadora profissional? Na verdade n\\xe3o est\\xe1 sendo televisionado mesmo. Os jogos n\\xe3o tem passado, ou passam muito pouco. Muitas vezes est\\xe1 rolando uma final de um Grand Slam, que \\xe9 um campeonato de alto n\\xedvel, em lugares lindos, jogos muito legais, finais e semifinais, e n\\xe3o s\\xe3o televisionados. No Brasil s\\xf3 \\xe9 televisionado a semifinal e a final. Se voc\\xea ganhar um torneio, por exemplo, n\\xe3o sai uma nota no jornal, n\\xe3o sai nada. O v\\xf4lei de praia, apesar de ser o esporte que mais bomba nas Olimp\\xedadas, o esporte que est\\xe1 sempre esgotado de ingressos, no meio tempo n\\xe3o tem essa m\\xeddia toda. E \\xe9 dif\\xedcil at\\xe9 voc\\xea vender esse produto ou procurar patroc\\xednio, porque n\\xe3o tem esse feedback, passa pouco. Nesta pandemia eu tive que bancar a minha equipe durante o ano todo sem nenhum patroc\\xednio. Eu tinha um s\\xf3 apoio, de uma marca de isot\\xf4nico, a Jungle, que me patrocina, mas que n\\xe3o fecha as contas da minha equipe. Uma equipe de v\\xf4lei de praia \\xe9 muito cara. Voc\\xea tem preparador f\\xedsico, t\\xe9cnico, auxiliar, fisioterapeuta, tem as pessoas que montam a nossa estrutura na praia, a gente est\\xe1 falando de uma equipe grande. S\\xe3o pessoas que se dedicam diariamente \\xe0quilo ali, e no v\\xf4lei de praia os atletas s\\xe3o os donos do time, sou eu que monto a minha equipe, eu que fa\\xe7o esses pagamentos, eu que decido os torneios para os quais eu quero viajar, que vou olhar as passagens e ficar em site de pesquisa procurando hotel mais barato. \\xc9 um esporte que tem uma independ\\xeancia dos atletas, o que para mim \\xe9 muito importante, eu valorizo muito isso. No v\\xf4lei de quadra voc\\xea vive num formato muito mais exigente de hor\\xe1rios. No v\\xf4lei de praia, se eu durmo mal, ou se eu to com o beb\\xea, por exemplo, eu falo "Galera vamos atrasar um pouco o treino, botar um pouquinho mais tarde. Rola? Quem pode?". \\xc9 uma equipe menor, s\\xf3 tem duas atletas envolvidas. Tem uma independ\\xeancia que \\xe9 muito legal, mas tem um lado ruim disso tamb\\xe9m, que \\xe9 complicado voc\\xea ter que jogar, treinar, administrar uma equipe e essas coisas burocr\\xe1ticas.\\n[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/12/5fdbd4d54a82b/fm-carol-solberg-jogadora-volei-praia-trip-m1.jpg; CREDITS=Fernando Young/ Divulga\\xe7\\xe3o; LEGEND=Carol Solberg]\\nComo \\xe9 a rela\\xe7\\xe3o com essa dupla na quadra? Tem uma atleta que \\xe9 a l\\xedder, meio a capit\\xe3 assim?Tem muitos times que t\\xeam esse formato, e eu acho que funciona pra caramba. No v\\xf4lei de praia, s\\xf3 no Brasil \\xe9 permitido ter o t\\xe9cnico sentado no banco, no Mundial n\\xe3o pode. Ent\\xe3o \\xe9 importante ter uma pessoa que d\\xe1 o rumo dentro da quadra, acho que isso facilita. Muitas vezes o time tem uma qu\\xedmica t\\xe3o grande e sei l\\xe1, as duas est\\xe3o abertas a esse tipo de comando. Tem dia que voc\\xea est\\xe1 um pouco mais forte, e tem dia que voc\\xea est\\xe1 pior e embarca na da sua parceira. Eu me considero um pouco assim, quando eu vejo que eu preciso ser a l\\xedder naquele jogo eu tomo as r\\xe9deas, e quando eu acho que a minha parceira est\\xe1 com o feeling melhor que o meu e que aquele dia ela t\\xe1 sacando melhor, eu vou na dela. Muitas vezes eu olho para a cara da minha parceira e falo "Cara, o que voc\\xea est\\xe1 sentindo? Vamos na tua". \\xc9 de cada time. No meu caso, diante das parcerias que eu tive at\\xe9 hoje, eu tento jogar nesse ritmo do dia, falando e pensando junto.\\nO p\\xfablico se encanta com o corpo dos atletas de alto n\\xedvel, por ser muito bonito, muito saud\\xe1vel e capaz de coisas que as demais pessoas, n\\xe3o atletas, n\\xe3o s\\xe3o capazes. Existe essa admira\\xe7\\xe3o e essa proje\\xe7\\xe3o no corpo do atleta. Mas a realidade \\xe9 que esse corpo \\xe9 submetido a um desgaste intenso e, por mais que ele se prepare, sofre muita dor e muita les\\xe3o. Como \\xe9 a sua rela\\xe7\\xe3o com o corpo, nesse aspecto dele como sua ferramenta de trabalho tamb\\xe9m? \\xc9 totalmente isso. \\xc9 engra\\xe7ado porque eu tamb\\xe9m acho que n\\xe3o \\xe9 nada saud\\xe1vel o que a gente faz, a gente passa do ponto do que seria saud\\xe1vel para um ser humano. Eu estou sempre economizando o meu corpo quando eu n\\xe3o estou em quadra, quando n\\xe3o estou treinando. Meu marido vive me sacaneando, ele fala "vamos de bicicleta at\\xe9 sei l\\xe1 onde", e eu falo "n\\xe3o vou fazer isso com a minha perna, t\\xf4 com a perna queimando aqui". A gente mora no alto de uma ladeira, e eu nunca subo a ladeira pedalando, eu sempre vou empurrando e me arrastando, e ele fala "cara, n\\xe3o \\xe9 poss\\xedvel, voc\\xea \\xe9 atleta!" Exatamente porque eu sou atleta que eu n\\xe3o vou subir a ladeira pedalando, n\\xe3o posso fazer isso com o meu joelho. Tem v\\xe1rias coisas que eu n\\xe3o fa\\xe7o. Agora estou de f\\xe9rias, e o meu punho est\\xe1 arrebentado, eu machuquei no \\xfaltimo campeonato, ent\\xe3o n\\xe3o consigo fazer v\\xe1rias coisas. A\\xed eu tenho que pedir "pega isso aqui pra mim". Estou sempre com alguma les\\xe3o. O meu ombro \\xe9 ferrado, ent\\xe3o para pegar meus filhos no colo, quando eles dormem no sof\\xe1 e precisam ser carregados para a cama, n\\xe3o rola, porque acaba com o meu ombro mais ainda. Eu tenho que estar sempre me preservando, ter sempre esse cuidado a mais com o corpo porque est\\xe1 sempre tudo doendo.\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0Atletas que continuam competindo em alto n\\xedvel com idade avan\\xe7ada\\nTe preocupa a possibilidade de voc\\xea estar com 50 e poucos anos e com problemas ou consequ\\xeancias desse uso exagerado do corpo? Eu confesso que ainda n\\xe3o me preocupa n\\xe3o. Eu me vejo fazendo exerc\\xedcio para sempre, porque eu adoro suar, meu corpo funciona muito melhor quando eu fa\\xe7o atividade f\\xedsica. Mas eu vejo a minha m\\xe3e, que \\xe9 uma pessoa muito dependente tamb\\xe9m desse exerc\\xedcio f\\xedsico, ela tem um joelho ferrado por conta do v\\xf4lei. Uma coisa que ela adora fazer \\xe9 caminhar na praia todos os dias, \\xe9 a terapia dela, e ela n\\xe3o est\\xe1 conseguindo fazer agora porque est\\xe1 com o joelho doendo para caramba, o tornozelo ruim. Eu n\\xe3o penso nisso agora porque eu considero que ainda est\\xe1 um pouco longe, mas vendo a minha m\\xe3e \\xe0s vezes me d\\xe1 esse estalo "Caramba, n\\xe3o \\xe9 saud\\xe1vel mesmo o que a gente faz". Quando eu parar de jogar, eu vou saber quais foram os danos. E cada um funciona de um jeito, a hist\\xf3ria da minha m\\xe3e \\xe9 uma e a minha \\xe9 outra, pode ser que eu tenha outros tipos de les\\xf5es. Mas acho que, por eu ser uma pessoa muito dependente do exerc\\xedcio f\\xedsico, que para mim \\xe9 fundamental, eu pretendo fazer exerc\\xedcio pra sempre. Espero muito que eu chegue nos meus 50, 60 anos, podendo nadar, surfar e andar na praia.\\nO corpo das mulheres est\\xe1 sempre sendo assunto. E no caso do v\\xf4lei de praia, o corpo das jogadoras est\\xe1 exposto pelo pr\\xf3prio traje da pr\\xe1tica, e acaba atraindo olhares e coment\\xe1rios que n\\xe3o se limitam ao esporte, sendo erotizado. Nas Olimp\\xedadas de Londres rolou uma discuss\\xe3o sobre se o mau tempo impediria que as atletas jogassem de biqu\\xedni, deixando impl\\xedcito que, se elas estivessem mais cobertas, o jogo perdia parte do seu atrativo. Como isso te afeta? Eu vivencio isso o tempo inteiro. Quando a gente t\\xe1 na quadra de biqu\\xedni, sendo mulher, a gente est\\xe1 muito exposta e muitas vezes a gente joga em arenas que s\\xe3o bem pequenas. Voc\\xea chega num torneio e tem a arena principal e arenas laterais, pequenininhas. \\xc0s vezes voc\\xea est\\xe1 ali para sacar e fica com a bunda literalmente na cara de uma pessoa com uma c\\xe2mera, sabe? \\xc9 muito desagrad\\xe1vel. Eu j\\xe1 vivi v\\xe1rios epis\\xf3dios, inclusive o meu irm\\xe3o uma vez partiu pra cima de um cara que estava fazendo fotos com uma conota\\xe7\\xe3o totalmente sexual ali. Isso \\xe9 muito chato. Tem zilh\\xf5es de sites com bunda de jogadora de v\\xf4lei, em posi\\xe7\\xf5es que voc\\xea est\\xe1 ali de biqu\\xedni para pegar a bola de manchete, bota a perna pro alto... E essa quest\\xe3o das roupas rola muito no Circuito Mundial. Muitas vezes a gente joga em lugares tipo a Noruega, e \\xe0s vezes entra uma frente fria que \\xe9 um gelo, e rola esse assunto at\\xe9 hoje "Mas vai jogar de roupa? \\xc9 ruim para a televis\\xe3o!" Porque? Se estou morrendo de frio n\\xe3o tenho a menor condi\\xe7\\xe3o de jogar sem roupa, de jogar de biqu\\xedni numa temperatura dessa. \\xc9 triste pensar que um esporte est\\xe1 ligado \\xe0 pessoa ligar a televis\\xe3o e ver um monte de mulher de biqu\\xedni, n\\xe3o \\xe9 isso o jogo, de jeito nenhum. Claro, \\xe9 bonito ver corpos bonitos. Legal ver atletas, corpo de atleta \\xe9 bonito, tudo bem. Mas acho que tem que ter um respeito, o que muitas vezes n\\xe3o rola, como em v\\xe1rias \\xe1reas. Tem uma mulher ali exposta dentro de uma quadra fazendo o trabalho dela.\\n[QUOTE=1157]\\nVoc\\xea acha que seria melhor mudar um pouco o uniforme? N\\xe3o acho n\\xe3o. Eu me sinto bem de biqu\\xedni. \\xc9 um traje \\xf3timo para jogar v\\xf4lei de praia. Normalmente faz o maior calor, a gente joga em praias no Brasil todo, t\\xe1 tudo certo. O que tem que mudar s\\xe3o essas pessoas que t\\xeam esse olhar. A gente n\\xe3o. A gente tem que ter o direito de usar o que quiser. Estar com frio e n\\xe3o poder botar uma cal\\xe7a porque vai tirar a audi\\xeancia do jogo, pelo amor de Deus, n\\xe3o existe.\\nLEIA TAMB\\xc9M:\\xa0A ex ginasta Lais Souza fala sobre sua recupera\\xe7\\xe3o\\nMe fala um pouco desse epis\\xf3dio que gerou tanta chatea\\xe7\\xe3o para voc\\xea, quando, numa entrevista no final de uma partida voc\\xea exclamou um "Fora Bolsonaro". Isso gerou uma grande repercuss\\xe3o e uma puni\\xe7\\xe3o para voc\\xea, que foi advertida pela Comiss\\xe3o Disciplinar do Supremo Tribunal de Justi\\xe7a Desportiva. O que estava passando pela sua cabe\\xe7a na hora, e que te levou a se manifestar nesse momento? Voc\\xea imaginava que isso pudesse ter consequ\\xeancias t\\xe3o agudas? Foi um epis\\xf3dio que acabou tomando propor\\xe7\\xf5es muito maiores do que eu esperava. Eu estava indo para esse campeonato em Saquarema, que era o primeiro campeonato depois de tanto tempo sem jogar por conta da pandemia, e eu estava muito muito feliz de estar voltando \\xe0s quadras. Estava disputando uma medalha de bronze e tinha acabado de ganhar esse jogo, tava pura alegria por ter ganhado aquela medalha, por estar de volta no p\\xf3dio. E a\\xed na hora de dar entrevista, apesar de toda a minha alegria, eu n\\xe3o podia n\\xe3o pensar em tudo que estava rolando, de estarmos vivenciando esta pandemia do jeito que estamos. Pensar em todas as mortes pela Covid-19 que eu acredito que poderiam ter sido evitadas se tivesse um m\\xednimo de respeito \\xe0 ci\\xeancia. Durante o campeonato acho que era o pior momento do Pantanal, estavam rolando as queimadas e sem nenhum plano emergencial do governo. Ent\\xe3o eu n\\xe3o posso dizer que foi por uma coisa, foram tantas coisas, sabe? Se a gente pensar nesse desmonte da cultura, nossos maiores artistas sendo totalmente menosprezados, a Educa\\xe7\\xe3o indo para o ralo, nenhum investimento, s\\xf3 tirando o or\\xe7amento da Educa\\xe7\\xe3o. O ministro do Meio Ambiente falando em "passar a boiada" naquela emblem\\xe1tica reuni\\xe3o ministerial e nada ter acontecido. Foi um misto, e eu estava ali dando aquela entrevista, muito feliz por ter ganhado uma medalha, e ao mesmo tempo eu pensei "eu t\\xf4 aqui feliz por causa de um jogo de v\\xf4lei e o pa\\xeds nesse lugar". Me pareceu t\\xe3o esquisito, e aquele sentimento brotou, veio um grito espont\\xe2neo de indigna\\xe7\\xe3o, de raiva de estar vivendo isso. Eu, como cidad\\xe3, me sinto totalmente no direito de manifestar minha opini\\xe3o ali. Mas foi isso, uma coisa totalmente espont\\xe2nea que saiu por tudo que est\\xe1 acontecendo nesse governo.\\nVoc\\xea acha que voc\\xea acha que a rea\\xe7\\xe3o desproporcional teve a ver com o fato de voc\\xea ser mulher? Eu acho que, em primeiro lugar, qualquer pessoa que se manifeste contra esse governo est\\xe1 sujeita a vivenciar isso que eu vivi, as amea\\xe7as e tudo mais. Quando se trata de uma mulher, muito mais, porque esse \\xe9 um governo extremamente machista. Eu acho que para eles, ter uma mulher, uma atleta, falando de pol\\xedtica ali \\xe9 tipo "Quem \\xe9 voc\\xea garota? O que voc\\xea t\\xe1 pensando?" Acho que o fato de eu ser mulher fez com que isso tomasse essas propor\\xe7\\xf5es, que a coisa virasse o que virou mesmo.\\nQual foi o momento que voc\\xea se sentiu mais ofendida nessa hist\\xf3ria? Eu me senti muito ofendida durante o primeiro julgamento, quando o presidente do STJD falou para mim que eu n\\xe3o estava ali numa entrevista para falar o que eu pensava, que eu s\\xf3 estava ali para dizer o que tinha acontecido nas quatro linhas, e me tratou de uma forma muito desrespeitosa e machista. Ele deu o \\xfaltimo voto dessa forma, o \\xfaltimo voto do julgamento e eu n\\xe3o podia falar nada. Eu fiquei muito engasgada, fui dormir com raiva daquele sujeito. Mas ao mesmo tempo foi bom, porque ali eu tive certeza de que eu ia recorrer. Muita gente falou: "voc\\xea recorreu a uma advert\\xeancia, n\\xe3o estava bom tomar s\\xf3 uma advert\\xeancia?" N\\xe3o estava, porque a advert\\xeancia veio como uma censura. Para mim aquele momento foi decisivo, quando aquele homem me tratou daquela forma eu tive certeza de que eu queria recorrer. Eu sabia que eu n\\xe3o tinha feito nada de errado e n\\xe3o ia aceitar nenhum tipo de advert\\xeancia, muito menos dele.\\nLEIA TAMB\\xc9M: "Com a luta pol\\xedtica, perdi mais do que ganhei", diz Felipe Neto\\nAcho que a rea\\xe7\\xe3o desmedida \\xe0 sua fala se deve, ao menos em parte, ao fato de que sejam raros os atletas se colocando politicamente, falando com clareza aquilo que eles pensam sobre sobre o pa\\xeds de uma forma geral. Porque voc\\xea acha isso acontece? Eu pensei pra caramba sobre tudo isso, essa m\\xe1xima de pol\\xedtica e esporte n\\xe3o se misturarem que tanta gente prega, e eu acho que s\\xe3o v\\xe1rias coisas. Primeiro, claro que essas regras todas que existem em cada modalidade fazem com que os atletas fiquem com medo, porque muita gente n\\xe3o est\\xe1 disposta a passar pelo que eu passei, a sofrer san\\xe7\\xf5es. A gente sabe que muitos atletas que se manifestaram foram punidos. Muitos ficaram sem time durante muito tempo mesmo. Eu acho que a primeira coisa \\xe9 que essas regras precisam ser revistas, porque n\\xe3o d\\xe1 para a gente estar em 2020 com regras que foram foram feitas no in\\xedcio do s\\xe9culo passado. O esporte tem que evoluir com o mundo, com as demandas da sociedade, do que est\\xe1 acontecendo. E o atleta, na minha opini\\xe3o, tem um papel muito grande. Se voc\\xea influencia crian\\xe7as e jovens voc\\xea tem que falar o que pensa, tem que sair um pouco do seu mundinho e ter um olhar maior. Se voc\\xea pode dar voz a movimentos t\\xe3o importantes, voc\\xea tem que ser estimulado a falar, a se engajar em causas em defesa dos direitos humanos, do meio ambiente, da luta anti racista. Eu acho que todos os atletas deveriam se colocar. Os que quiserem, obviamente, porque eu respeito tamb\\xe9m os que os que n\\xe3o querem, que n\\xe3o querem se meter com pol\\xedtica, que gostam deste lugar de neutralidade. Tudo bem, eu n\\xe3o estou aqui dizendo que todo mundo tem que falar, de jeito nenhum. S\\xf3 acho que, quem quer falar, tem que poder falar. Mas tem outros aspectos tamb\\xe9m, tem gente que realmente s\\xf3 pensa no seu pr\\xf3prio umbigo e n\\xe3o est\\xe1 nem a\\xed para o que est\\xe1 acontecendo no resto do mundo. A gente tamb\\xe9m n\\xe3o pode deixar de falar que muitos atletas pararam de estudar muito cedo, vivenciam pouco um ambiente de troca, de est\\xedmulo que tem esse tipo de debate, e muitas vezes acabam ficando por fora mesmo do que est\\xe1 rolando e n\\xe3o s\\xe3o instigados. Quando voc\\xea est\\xe1 numa faculdade, por exemplo, \\xe9 um ambiente que naturalmente te estimula a ter esse tipo de troca. O esporte \\xe9 um ambiente muito pouco enriquecedor nesse aspecto. S\\xe3o poucos os ambientes esportivos que estimulam essa troca. Se voc\\xea n\\xe3o tem uma fam\\xedlia, ou amigos com os quais voc\\xea tenha esse papo, que saia ali do mundo do esporte, voc\\xea acaba ficando um pouco alienado a tudo. N\\xe3o d\\xe1 para comparar um atleta americano, que est\\xe1 l\\xe1 nos Estados Unidos podendo fazer uma faculdade, e o do Brasil, que com 16 anos est\\xe1 tendo que pensar em como vai manter a sua estrutura de treinamento. A realidade do atleta brasileiro \\xe9 muito dura, a grande maioria est\\xe1 pensando no seu prato de comida. Querer e exigir tamb\\xe9m desse atleta que ele seja engajado politicamente \\xe9 um pouco injusto \\xe0s vezes. Agora, temos grandes atletas que n\\xe3o t\\xeam medo e n\\xe3o precisam ter medo de nada, que sabem da for\\xe7a que eles teriam se se\\xa0manifestassem\\xa0por causas bacanas e n\\xe3o falam nada. E tamb\\xe9m tem os que apoiam esse tipo de governo. S\\xe3o v\\xe1rias coisas, n\\xe3o d\\xe1 para falar uma coisa s\\xf3.\\n[QUOTE=1158]\\nVoc\\xea foi muito atacada e at\\xe9 amea\\xe7ada por causa da sua manifesta\\xe7\\xe3o. Mas teve um lado positivo de toda essa reviravolta que voc\\xea viveu? Eu fui muito acolhida e abra\\xe7ada, muito mais do que atacada. Eu recebi muito apoio de todos, inclusive de pessoas que admiro. Tudo isso que eu vivi, claro que teve um lado chato de ver a vida exposta e receber ataques, mas a onda de coisa boa foi muito maior. Todo mundo bacana estava do meu lado. Foi uma experi\\xeancia muito legal para ter certeza de quanto \\xe9 importante a gente se colocar, usar a nossa voz no que a gente acredita e poder ampliar esse debate. Essa hist\\xf3ria pra mim \\xe9 s\\xf3 o come\\xe7o, de falar "\\xe9 t\\xe3o bom poder falar sobre isso". Acho que o esporte e pol\\xedtica tem que andar juntos, como tudo. A pol\\xedtica t\\xe1 em tudo na nossa vida. Est\\xe1 sendo muito legal vivenciar tudo isso e poder debater com tanta gente inteligente, tenho aprendido pra caramba. Assim como eu estou aqui com voc\\xea, eu estive com v\\xe1rios jornalistas legais. E eu pude aprender e pesquisar mais sobre a hist\\xf3ria do esporte, muita coisa que eu n\\xe3o sabia, que eu aprendi e isso tamb\\xe9m est\\xe1 sendo muito importante para mim.'