Carretel de Fogo

Published: Aug. 4, 2021, 7:21 p.m.

b'Um vidro \\nUma papagaio mudo\\nUma \\xf3ca oca\\n\\nUm pingo no c\\xe9u\\nUma lua no v\\xe3o\\nUm c\\xf3rrego voa\\n\\nTem sangue nas entrelinhas\\nTem uma carta no Tar\\xf4\\nTem a cegueira nos dentes\\nA l\\xedngua amorda\\xe7ada no medo\\n\\nUm frio corr\\xf3i o a\\xe7o\\nUm espelho vira gelo\\nO fogo vira farpa\\nAveia vira p\\xf3\\nA morte vira vida\\nA ru\\xedna vira hoje\\n\\nO mar morto sufoca\\nA crian\\xe7a parte\\nUma canoa \\xe9 miragem \\nMergulho profundo no eco\\nUma planta nasce \\n\\nUm meteoro evapora\\nUm navio de carga se desloca\\nEmerge um ber\\xe7o\\nLeve n\\xe3o s\\xe3o os tempos\\n\\nA vista piora \\nEra um soco no est\\xf4mago \\nAquela ameixa podre\\n\\nE num profundo ar de dento \\nRespira numa bolha \\nUm tempo \\n\\nFor\\xe7a aterisagem um avi\\xe3o\\nCai a tarde o luto\\nO luto de uma na\\xe7\\xe3o\\nO fruto \\xe9 mordido \\nA isca pesca\\nUm moeda \\xe9 jogada \\nA sorte nunca foi n\\xedtida \\nAs transpar\\xeancias desaparecem\\nUm estrondo vibra \\nUma piscina lambe o ch\\xe3o\\nTem uma noiva afogada na multid\\xe3o \\nUm cad\\xe1ver atravessa \\nA rua para sem sinal vermelho\\n\\nUma mulher vai a lua\\nNenhuma estrela desce\\nNuvens adormecem\\nUm vulto passa\\nA manicure desenha \\nUm carretel late\\nUma oca parte\\nUm ru\\xeddo rosna\\nUm luto \\n\\nE veio a escurid\\xe3o \\nNo corrim\\xe3o daquela louca escada\\nOnde nenhuma flor valia nada\\n\\nHora do churrasco\\nH\\xe1 hipocrisia numa p\\xe9rola\\nUm chumbo cai \\nEra pra matar\\nMas salvou\\n\\nUm morto atravessa...\\n\\nEspumas borbulham \\nH\\xe1 raiva na caixa de correspond\\xeancia \\nUma amaldi\\xe7oada pedra\\nAquece a horta\\n\\nEra pra ser uma caneta\\nVirou apenas um p\\xeansil \\nOssos removem o aparelho\\nDe um m\\xe3o\\n\\nTocou o ch\\xe3o \\nUm la\\xe7o de fita suja\\nArames num p\\xe3o\\nUma janela \\nSem sa\\xedda\\nEra tudo \\nNaquela avenida\\nOnde as minhocas\\nFabricavam o verde \\nDos musgos\\n\\nNa linha de uma coleira\\nEnfeitada com seda \\nDormiam os remendos\\nAt\\xe9 o amanhecer \\n\\nO tremor \\nTinha olfato \\nRelapso \\nUm canarinho \\nPreso\\n\\nVoa menino\\nEle n\\xe3o voa\\nCres\\xe7a menino\\nEle n\\xe3o crescia\\nNas\\xe7a menino\\nEle n\\xe3o p\\xe1ria\\n\\nEscravos de j\\xf3\\nJogavam cachimbo\\nNenhuma praia a vista\\nPiratas de avenidas\\nPediam um tost\\xe3o \\nMendigar a luz fosca\\nEra receita antiga\\n\\nUm bot\\xe3o da camisa\\nCaiu\\nO rel\\xf3gio parou\\nNem fim\\nNem come\\xe7o \\nVazio e sil\\xeancio \\nCompunham a\\nvalsa de partida\\n\\nA ouro eram escritas \\nAs partituras\\nUm raio de sol tocou a noite\\nTinha arte na ard\\xeancia do broto\\n\\nNas roseiras \\nOs espinhos sentiam fome\\nOs v\\xf4mitos \\nEscorriam pelo esgoto\\nNas veias \\nO sangue endureceu\\nE um branca de neve \\nDesapareceu \\n\\nAs fantasia adormecem \\nEra tarde pra deslocar os corvos\\nAs aves j\\xe1 devoram as carni\\xe7as\\nAs picadas eram sentidas \\nA pele arrancada em vida\\n\\n...\\nCarretel em fogo\\n\\nMel Inquieta / Melina Guterres \\n\\n04/08/21'