Sagres - Olavo Bilac

Published: May 9, 2022, 8 a.m.

b'

Sagres de Olavo Bilac Por Gus

\\n


\\n

"Acreditavam os antigos celtas,

\\n

do Guadiana espalhados at\\xe9

\\n

a costa, que, no templo circular

\\n

do Promont\\xf3rio Sacro, se reuniam

\\n

\\xe0 noite os deuses, em misteriosas

\\n

conversas com esse mar cheio

\\n

de enganos e tenta\\xe7\\xf5es."

\\n

OL. MARTINS. - Hist. de Portugal.

\\n

Em Sagres. Ao tuf\\xe3o, que se desencadeia,

\\n

A \\xe1gua negra, em cach\\xf5es, se precipita, a uivar;

\\n

Retorcem-se gemendo os zimbros sobre a areia.

\\n

E, impass\\xedvel, opondo ao mar o vulto enorme,

\\n

Sob as trevas do c\\xe9u, pelas trevas do mar,

\\n

Ber\\xe7o de um mundo novo, o promont\\xf3rio dorme.

\\n

S\\xf3, na tr\\xe1gica noite e no s\\xedtio medonho,

\\n

Inquieto como o mar sentindo o cora\\xe7\\xe3o,

\\n

Mais largo do que o mar sentindo o pr\\xf3prio sonho,

\\n

S\\xf3, aferrando os p\\xe9s sobre um penhasco a pique,

\\n

Sorvendo a ventania e espiando a escurid\\xe3o,

\\n

Queda, como um fantasma, o Infante Dom Henrique...

\\n

Casto, fugindo o amor, atravessa a exist\\xeancia

\\n

Imune de paix\\xf5es, sem um grito sequer

\\n

Na carne adormecida em plena adolesc\\xeancia;

\\n

E nunca aproximou da face envelhecida

\\n

O nect\\xe1rio da flor, a boca da mulher,

\\n

Nada do que perfuma o deserto da vida.

\\n

Forte, em Ceuta, ao clamor dos p\\xedfanos de guerra,

\\n

Entre as mesnadas (quando a matan\\xe7a sem d\\xf3

\\n

Dizimava a moirama e estremecia a terra),

\\n

Viram-no levantar, imortal e brilhante,

\\n

Entre os raios do sol, entre as nuvens do p\\xf3,

\\n

A alma de Portugal no aceiro do montante.

\\n

Em Tanger, na jornada atroz do desbarato,

\\n

Duro, ensopando os p\\xe9s em sangue portugu\\xeas,

\\n

Empedrado na teima e no orgulho insensato,

\\n

Calmo, na confus\\xe3o do horrendo desenlace,

\\n

Vira partir o irm\\xe3o para as pris\\xf5es de Fez,

\\n

Sem um tremor na voz, sem um tremor na face.

\\n

\\xc9 que o Sonho lhe traz dentro de um pensamento

\\n

A alma toda cativa. A alma de um sonhador

\\n

Guarda em si mesma a terra, o mar, o firmamento,

\\n

E, cerrada de todo \\xe0 inspira\\xe7\\xe3o de fora,

\\n

Vive como um vulc\\xe3o, cujo fogo interior

\\n

A si mesmo imortal se nutre e se devora.

\\n

"Terras da Fantasia! Ilhas Afortunadas,

\\n

Virgens, sob a meiguice e a limpidez do c\\xe9u,

\\n

Como ninfas, \\xe0 flor das \\xe1guas remansadas!

\\n

Pondo o rumo das naus contra a noite horrorosa

\\n

Quem sondara esse abismo e rompera esse v\\xe9u,

\\n

\\xd3 sonho de Plat\\xe3o, Atl\\xe2ntida formosa!

\\n

Mar tenebroso! aqui recebes, porventura,

\\n

A s\\xedncope da vida, a agonia da luz?.

\\n

Come\\xe7a o Caos aqui, na orla da praia escura?

\\n

E a mortalha do mundo a bruma que te veste?

\\n

Mas n\\xe3o! por tr\\xe1s da bruma, erguendo ao sol a Cruz,

\\n

V\\xf3s sorrides ao sol, Terras Crist\\xe3s do Preste!

\\n

Promont\\xf3rio Sagrado! Aos teus p\\xe9s, amoroso,

\\n

Chora o monstro... Aos teus p\\xe9s, todo o grande poder,

\\n

Toda a for\\xe7a se esvai do oceano Tenebroso...

\\n

Que ansiedade lhe agita os flancos? Que segredo,

\\n

Que palavras confia essa boca, a gemer,

\\n

Entre beijos de espuma, \\xe0 algidez do rochedo?

\\n

Que montanhas mordeu, no seu furor sagrado?

\\n

Que rios, atrav\\xe9s de selvas e areais,

\\n

Vieram nele encontrar um t\\xfamulo ignorado?

\\n

De onde vem ele? ao sol de que remotas plagas

\\n

Borbulhou e dormiu? que cidades reais

\\n

Embalou no rega\\xe7o azul de suas vagas?

\\n

Se tudo \\xe9 morte al\\xe9m, - em que deserto horrendo,

\\n

Em que ninho de treva os astros v\\xe3o dormir?

\\n

Em que solid\\xe3o o sol sepulta-se, morrendo?

\\n

Se tudo \\xe9 morte al\\xe9m, por que, a sofrer sem calma,

\\n

Erguendo os bra\\xe7os no ar, havemos de sentir

\\n

Estas aspira\\xe7\\xf5es, como asas dentro da alma?"

\\n

...

\\n

Link para todo o poema: https://poesia.fandom.com/pt/wiki/Sagres

\\n


\\n

Edi\\xe7\\xe3o por Felipe Xavier

\\n


\\n


'