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Sagres de Olavo Bilac Por Gus
\\n"Acreditavam os antigos celtas,
\\ndo Guadiana espalhados at\\xe9
\\na costa, que, no templo circular
\\ndo Promont\\xf3rio Sacro, se reuniam
\\n\\xe0 noite os deuses, em misteriosas
\\nconversas com esse mar cheio
\\nde enganos e tenta\\xe7\\xf5es."
\\nOL. MARTINS. - Hist. de Portugal.
\\nEm Sagres. Ao tuf\\xe3o, que se desencadeia,
\\nA \\xe1gua negra, em cach\\xf5es, se precipita, a uivar;
\\nRetorcem-se gemendo os zimbros sobre a areia.
\\nE, impass\\xedvel, opondo ao mar o vulto enorme,
\\nSob as trevas do c\\xe9u, pelas trevas do mar,
\\nBer\\xe7o de um mundo novo, o promont\\xf3rio dorme.
\\nS\\xf3, na tr\\xe1gica noite e no s\\xedtio medonho,
\\nInquieto como o mar sentindo o cora\\xe7\\xe3o,
\\nMais largo do que o mar sentindo o pr\\xf3prio sonho,
\\nS\\xf3, aferrando os p\\xe9s sobre um penhasco a pique,
\\nSorvendo a ventania e espiando a escurid\\xe3o,
\\nQueda, como um fantasma, o Infante Dom Henrique...
\\nCasto, fugindo o amor, atravessa a exist\\xeancia
\\nImune de paix\\xf5es, sem um grito sequer
\\nNa carne adormecida em plena adolesc\\xeancia;
\\nE nunca aproximou da face envelhecida
\\nO nect\\xe1rio da flor, a boca da mulher,
\\nNada do que perfuma o deserto da vida.
\\nForte, em Ceuta, ao clamor dos p\\xedfanos de guerra,
\\nEntre as mesnadas (quando a matan\\xe7a sem d\\xf3
\\nDizimava a moirama e estremecia a terra),
\\nViram-no levantar, imortal e brilhante,
\\nEntre os raios do sol, entre as nuvens do p\\xf3,
\\nA alma de Portugal no aceiro do montante.
\\nEm Tanger, na jornada atroz do desbarato,
\\nDuro, ensopando os p\\xe9s em sangue portugu\\xeas,
\\nEmpedrado na teima e no orgulho insensato,
\\nCalmo, na confus\\xe3o do horrendo desenlace,
\\nVira partir o irm\\xe3o para as pris\\xf5es de Fez,
\\nSem um tremor na voz, sem um tremor na face.
\\n\\xc9 que o Sonho lhe traz dentro de um pensamento
\\nA alma toda cativa. A alma de um sonhador
\\nGuarda em si mesma a terra, o mar, o firmamento,
\\nE, cerrada de todo \\xe0 inspira\\xe7\\xe3o de fora,
\\nVive como um vulc\\xe3o, cujo fogo interior
\\nA si mesmo imortal se nutre e se devora.
\\n"Terras da Fantasia! Ilhas Afortunadas,
\\nVirgens, sob a meiguice e a limpidez do c\\xe9u,
\\nComo ninfas, \\xe0 flor das \\xe1guas remansadas!
\\nPondo o rumo das naus contra a noite horrorosa
\\nQuem sondara esse abismo e rompera esse v\\xe9u,
\\n\\xd3 sonho de Plat\\xe3o, Atl\\xe2ntida formosa!
\\nMar tenebroso! aqui recebes, porventura,
\\nA s\\xedncope da vida, a agonia da luz?.
\\nCome\\xe7a o Caos aqui, na orla da praia escura?
\\nE a mortalha do mundo a bruma que te veste?
\\nMas n\\xe3o! por tr\\xe1s da bruma, erguendo ao sol a Cruz,
\\nV\\xf3s sorrides ao sol, Terras Crist\\xe3s do Preste!
\\nPromont\\xf3rio Sagrado! Aos teus p\\xe9s, amoroso,
\\nChora o monstro... Aos teus p\\xe9s, todo o grande poder,
\\nToda a for\\xe7a se esvai do oceano Tenebroso...
\\nQue ansiedade lhe agita os flancos? Que segredo,
\\nQue palavras confia essa boca, a gemer,
\\nEntre beijos de espuma, \\xe0 algidez do rochedo?
\\nQue montanhas mordeu, no seu furor sagrado?
\\nQue rios, atrav\\xe9s de selvas e areais,
\\nVieram nele encontrar um t\\xfamulo ignorado?
\\nDe onde vem ele? ao sol de que remotas plagas
\\nBorbulhou e dormiu? que cidades reais
\\nEmbalou no rega\\xe7o azul de suas vagas?
\\nSe tudo \\xe9 morte al\\xe9m, - em que deserto horrendo,
\\nEm que ninho de treva os astros v\\xe3o dormir?
\\nEm que solid\\xe3o o sol sepulta-se, morrendo?
\\nSe tudo \\xe9 morte al\\xe9m, por que, a sofrer sem calma,
\\nErguendo os bra\\xe7os no ar, havemos de sentir
\\nEstas aspira\\xe7\\xf5es, como asas dentro da alma?"
\\n...
\\nLink para todo o poema: https://poesia.fandom.com/pt/wiki/Sagres
\\nEdi\\xe7\\xe3o por Felipe Xavier
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