"Cogumelos Mágicos" eficazes na depressão resistente

Published: Dec. 13, 2022, 4:43 p.m.

Um estudo publicado na revista “New England Journal of Medicine”, no mês de Novembro, que envolveu o centro Clínico Champalimaud, em Portugal, e mais de duas centenas de doentes de vários países mostrou que a administração da psilocibina, substância sintética encontrada nos cogumelos mágicos, é eficaz no tratamento da depressão resistente. Albino Oliveira Maia, director da Unidade de Neuropsiquiatria no Centro Champalimaud, considera que qualquer nova alternativa para o tratamento da depressão resistente é animadora, embora reconheça que há um longo caminho a percorrer neste tipo de tratamentos. O que é que se pretendeu mostrar com este estudo? O objectivo deste estudo foi avaliar se doses mais altas de psilocibina tinham eficácia anti-depressiva diferencial, em relação às doses mais baixas, presumivelmente inactivas. Ou seja, foi um estudo para encontrar a melhor dose para estudos subsequentes. Como é que foi conduzido este estudo? Quantos doentes participaram nesta investigação? Foram mais de duas centenas de doentes e que foram distribuídos de forma aleatória, por um de três grupos. Um grupo fez um tratamento com uma dose muito baixa de psilocibina, um miligrama, uma dose que não se esperava nenhum efeito biológico significativo. O segundo grupo foi tratado com uma dose que poderia ter efeitos clínicos, com a dose mais alta de 25 miligramas. O terceiro grupo fez uma dose intermédia de 10 miligramas. O que é a psilocibina e quais são os efeitos que provoca a toma desta substância? A psilocibina é uma substância que, originalmente, foi encontrada numa espécie de cogumelos. Esses cogumelos são, muitas vezes, consumidos de forma recreativa, por causa dos efeitos cognitivos, psicológicos e emocionais, que essa substância provoca. Estes cogumelos, em linguagem comum, são denominados cogumelos mágicos, provocando um efeito da alteração do estado da consciência e, em determinado momento, percebeu-se que esta substância poderia ter algum impacto terapêutico no tratamento de algumas doenças psiquiátricas, nomeadamente, no tratamento da depressão. O que se fez, depois disto, foi avançar para um processo de síntese da molécula [psilocibina] para poder criar um medicamento. Em seguida, começaram a fazer-se alguns estudos. Este é o maior, para se avaliar se havia ou não potencial anti-depressivo nesta molécula. Quais foram os resultados? As pessoas que fizeram a dose mais elevada tiveram uma redução dos sintomas da depressão mais significativa do que as pessoas que fizeram a dose intermédia e a dose mais baixa. No entanto, três semanas depois da administração, 29% dos doentes estavam em remissão e, às 12 semanas, esse número baixava para as 20%. Como se explica esse comportamento? Isso explica-se da mesma forma que se explica aquilo que acontece com qualquer tratamento da depressão. É como os vários tratamentos que temos para esta doença crónica, ou seja, sempre que são interrompidos pode verificar-se o regresso dos sintomas. Isso acontece com os anti-depressivos, com a psicoterapia, com a estimulação magnética transcraniana e com a terapia electro-convulsiva. É uma característica típica de qualquer doença crónica. Há a necessidade de manter os tratamentos para obter os benefícios que os tratamentos trazem. Como este era um tratamento novo, havia a expectativa de termos benefícios que fossem mais duradouros no tempo. Mas, infelizmente, para uma percentagem importante dos doentes isso não aconteceu, sugerindo-se que para o futuro possamos vir a ter a necessidade de avaliar se este tratamento poderá ter feitos mais duradouros se for administrado mais do que uma vez. Que feitos secundários se registaram? Foram registados múltiplos efeitos secundários. Um deles, como é óbvio, é o facto de haver uma alteração da consciência. Idealmente, gostaríamos de fazer um tratamento que não se fizesse acompanhar deste tipo de efeitos. Todavia, o efeito mais preocupante, apesar de acontecerem apenas numa pequena minoria dos doentes, fez-se sentir nas pessoas que fizeram as doses mais elevadas, tendo essas pessoas manifestado ideias de suicídio. Esse é um efeito colateral muito significativo e muito preocupante. Apesar de ter sido raro, é algo que vai necessitar de estudos mais detalhados no futuro. Ainda assim, pode afirma-se que as conclusões são animadoras? Seguramente que sim. Qualquer nova alternativa para o tratamento da depressão resistente é animadora. Isto porque a perspectiva que temos neste momento é uma perspectiva pouca animadora. Os medicamentos que temos disponíveis são muito pouco eficazes para estes doentes e as outras alternativas são de muito difícil acesso. Há, por outro lado, novos medicamentos que já estão aprovados para a depressão resistente à medicação, como a Escetamina, mas são medicamentos muito caros, que não têm comparticipação. Medicamentos que os doentes têm muita dificuldade em ter acesso. Agora, taxas de resposta de 30% não são taxas de resposta espectaculares e nós gostaríamos de ter alternativas ainda mais eficazes do que esta. O que se pode fazer para atingir essas taxas. Qual é que será o próximo passo? Perceber se há formas diferentes de administrar este medicamento, tornando-o mais eficaz. Precisamos de trabalhar para melhorar o acesso dos doentes às formas de tratamento que já existem, nomeadamente a estimulação cerebral e o tratamento com a Escetamina. Precisamos, ainda, de desenvolver novos tratamentos que sejam mais eficazes. Isso é um trabalho mais de investigação. Os psicadélicos estão a tornar-se um medicamento ou ainda há ainda um longo caminho a percorre? Ainda há um longo caminho a percorrer, como este trabalho veio a demonstrar. Precisamos de perceber melhor a forma como vamos fazer o tratamento e em que contexto. Depois, se percebermos que se trata de um tratamento seguro, haverá necessidade de começar a trabalhar para o tornar acessível. Essa é a fase que estamos a passar neste momento, em relação à Escetamina, e que, por vezes, pode demorar anos. Por isso, penso que ainda temos um longo caminho pela frente.